A porta da Netflix acaba de se abrir para um dos filmes mais incômodos do cinema moderno, “Veludo Azul”, dirigido por David Lynch em 1986.
A produção, considerada divisor de águas na carreira do cineasta, volta ao centro da conversa cultural com sua chegada ao streaming.
A novidade convida antigos fãs e uma nova geração a revisitarem – ou descobrirem – a obra que mistura suspense, drama e toques de terror.
Lançado no auge dos anos 1980, o longa acompanha a investigação de um jovem que encontra uma orelha humana em Lumberton, cidade fictícia da Carolina do Norte.
Ao descascar as camadas desse mistério, o roteiro expõe a face sombria da província e mergulha em temas como sexualidade, violência e poder.
Ao final da sessão, quem pressiona o play raramente termina a noite do mesmo jeito.
Enredo de “Veludo Azul” volta a ganhar fôlego
A narrativa gira em torno de Jeffrey Beaumont (Kyle MacLachlan), universitário que pausa os estudos para cuidar do pai doente e, sem querer, encontra uma orelha decepada num terreno baldio. O objeto passa a ser a chave de entrada para um subterrâneo de segredos que envolve a cantora de boate Dorothy Vallens (Isabella Rossellini) e o gângster Frank Booth (Dennis Hopper).
Com a ajuda de Sandy Williams (Laura Dern), filha do detetive local, Jeffrey acompanha um jogo de sedução e decadência que desafia a moralidade da cidadezinha. Na já clássica sequência do armário, Lynch cria um clima claustrofóbico que homenageia Alfred Hitchcock e coloca sexo e violência lado a lado, marca registrada de “Veludo Azul”.
Obra consolidou a reputação de Lynch
Quando chegou aos cinemas, em 1986, “Veludo Azul” dividiu plateias entre aplausos e repulsa. Para parte da crítica, tratava-se de um neo-noir provocativo; para outra, era puro devaneio sem propósito. Apesar das divergências, o filme pavimentou o caminho que renderia a David Lynch indicações ao Oscar e um prêmio honorário em 2020.
O lançamento na Netflix reacende discussões sobre a capacidade do diretor de fundir realidade e sonho em imagens de forte impacto. Lynch, à época com apenas três longas no currículo, usou Lumberton para ironizar a idealização do “American Way of Life”. Ao mostrar jardins impecáveis e formigas correndo no subsolo, o cineasta questiona a normalidade aparente que encobre perversões cotidianas.
Sexo, poder e violência: tripé do choque
“Veludo Azul” não foge de temas espinhosos. A submissão de Dorothy Vallens, forçada a satisfazer as exigências de Frank Booth para proteger marido e filho, expõe o limite entre desejo e coerção. A relação patológica entre os dois acentua a crítica ao puritanismo americano, ainda marcado pelo moralismo dos anos 1950.
Ao mesmo tempo, o roteiro revela o fascínio de Jeffrey por esse universo proibido. O personagem, dividido entre a namorada Sandy e a atração por Dorothy, personifica o conflito entre inocência juvenil e curiosidade sexual. Para boa parte do público, esse contraste transformou “Veludo Azul” em um retrato inquietante da adolescência – tema que, quase quatro décadas depois, ainda encontra eco.
Referências pop fortalecem a atmosfera onírica
A trilha sonora, que alterna Roy Orbison e canções originais, reforça a sensação de sonho quebrado. Elementos visuais como cortinas de veludo, luzes de neon e fumaça de boate constroem uma estética que hoje se lê como sinônimo de “lynchiano”.
Contexto dos anos 1980 permanece atual
Embora se passe em 1986, o filme dialoga com debates contemporâneos sobre extremismos políticos e crises de identidade nacional. O artigo publicado no Salada de Cinema lembra que eventos recentes, como a invasão ao Capitólio em 2021, revelam a permanência de tensões retratadas por Lynch há quase quarenta anos.
Ao criticar a paranoia coletiva e a hipocrisia social, “Veludo Azul” se mostra relevante para além de seu tempo. A chegada à Netflix evidencia esse ponto ao colocar o filme lado a lado com produções recentes, permitindo comparações sobre como o audiovisual atual aborda temas semelhantes.
Imagem: Divulgação
Elenco entrega performances marcantes
Isabella Rossellini, Kyle MacLachlan e Laura Dern formam o trio de atuações que sustenta a intensidade dramática. Rossellini empresta vulnerabilidade e força a Dorothy, enquanto MacLachlan compõe um Jeffrey dividido entre coragem e ingenuidade. Dern, por sua vez, equilibra luz e esperança como a doce Sandy.
Dennis Hopper completa o quadro ao viver Frank Booth, vilão que alterna calmaria e explosões de fúria num piscar de olhos. Para muitos críticos, o personagem está entre os mais assustadores do cinema norte-americano justamente por transitar entre o banal e o monstruoso.
Detalhes técnicos e disponibilidade na plataforma
“Veludo Azul” chega ao serviço de streaming em versão sem cortes, com cerca de 2 horas e 50 minutos, classificação indicativa para maiores de 18 anos e áudio original em inglês. O drama-suspense ocupa lugar de destaque na aba de clássicos da Netflix, reforçando o esforço da empresa em ampliar o catálogo de obras fundamentais do cinema.
O filme recebe nota 9/10 em avaliações recentes do público brasileiro, o que demonstra sua força atemporal. Para quem busca entender a evolução do olhar autoral de David Lynch ou simplesmente quer se aventurar por uma experiência audiovisual singular, “Veludo Azul” surge como parada obrigatória.
Por que vale a redescoberta
Aos que já assistiram, a nova exibição oferece a chance de observar detalhes que, talvez, tenham passado despercebidos em sessões anteriores. A textura dos sons, o contraste das cores e a pontual inserção de silêncios permanecem elementos cruciais para a atmosfera onírica.
Para quem desembarca agora em Lumberton, a obra funciona como porta de entrada para o universo lynchiano. O diretor reconhecido por “Twin Peaks” e “Cidade dos Sonhos” encontra em “Veludo Azul” seu ponto de virada, ao equilibrar experimentalismo e narrativa clássica.
Serviço
Título original: Blue Velvet (1986)
Direção e roteiro: David Lynch
Gênero: Drama, Suspense, Terror
Duração: aproximadamente 170 min (versão completa)
Onde assistir: Netflix Brasil
Com essa adição ao streaming, a plataforma dá novo respiro a um longa que não poupa o espectador de desconforto e fascinante estranhamento. E, para quem acompanha o noticiário cultural, poucas estreias da semana prometem conversas tão acaloradas quanto esta.


