Quando Dark chegou ao catálogo da Netflix, em 2017, poucos imaginavam que uma produção alemã conseguiria sacudir a velha fórmula dos enredos sobre viagem no tempo.
Oito anos depois, a série ainda é apontada como o divisor de águas que mudou para sempre a percepção do público sobre paradoxos, linha temporal e destino.
De lá para cá, outras produções tentaram repetir a façanha, mas a complexa engenharia narrativa criada por Baran bo Odar e Jantje Friese segue como referência máxima.
Quem revisita a série percebe rapidamente que, depois dela, conveniências de roteiro voltadas a “arrumar” o passado deixaram de convencer.
Por que Dark da Netflix elevou o patamar das histórias de viagem no tempo
A maioria dos filmes e séries recorre à viagem temporal como saída fácil: basta voltar alguns anos, consertar um erro e retornar a um presente milagrosamente melhor. Em Dark da Netflix, impera o determinismo causal. As tentativas de mudar o passado são justamente o gatilho dos acontecimentos que já estavam predestinados.
Com isso, cada decisão de Jonas, Martha ou de qualquer habitante da fictícia Winden repercute simultaneamente no ontem e no amanhã, formando loops fechados que não deixam brechas lógicas. O resultado é uma sensação constante de impotência, reforçada pela atmosfera sombria que acompanha toda a trama.
Além disso, a série trabalha o conceito de tempo não como um rio que corre em uma única direção, mas como um oceano estático onde todos os pontos coexistem. Essa visão, reforçada por sequências em tela dividida, faz o espectador questionar a própria percepção de presente, passado e futuro.
Depois dessa abordagem, títulos que abusam de paradoxos de forma descuidada passaram a soar rasos. Salada de Cinema, por exemplo, recebe comentários frequentes de leitores que apontam Dark como parâmetro para julgar novas produções do gênero.
Elenco preciso e temas humanos aprofundam o impacto da narrativa
Um dos trunfos da produção é o elenco escolhido a dedo. A semelhança física e a sintonia entre os intérpretes das versões mais jovens e mais velhas dos personagens amenizam a necessidade de suspensão de descrença. Em 1953, 1986 ou 2019, o público reconhece imediatamente quem é quem, o que facilita acompanhar tramas cruzadas que envolvem três gerações de famílias.
Imagem: Divulgação
Paralelamente à engenharia temporal, o roteiro mergulha em temas muito humanos. Grief e traumas geracionais se manifestam em situações extremas: há uma personagem que descobre ser, ao mesmo tempo, mãe e filha de si mesma, enquanto outro protagonista percebe que o pai é o garoto desaparecido no futuro. A ficção científica serve, assim, como lente de aumento para dores reais e universais.
Ao longo de suas três temporadas, Dark não cedeu à tentação de simplificar questões complexas. O efeito colateral é que, para muita gente, a série “estragou” futuras histórias de viagem no tempo: depois dela, o público passou a exigir coerência extrema e profundidade temática, barreira que poucos títulos conseguiram superar nos últimos anos.
Mesmo com o último episódio exibido em 2020, a obra continua no catálogo global da Netflix e mantém nota média superior a 9/10 em plataformas especializadas, desempenho raro para séries de alta complexidade.
Enquanto Hollywood segue produzindo aventuras temporais voltadas ao puro espetáculo, Dark permanece como estudo de caso de como unir ciência, filosofia e drama familiar em um roteiro sem furos aparentes.
Se o gênero conseguirá superar o padrão imposto pela produção alemã, só o tempo — ou a sua manipulação — dirá.
Ficha técnica
Título original: Dark
Criação: Baran bo Odar e Jantje Friese
Gêneros: Crime, Drama, Mistério, Ficção Científica, Sobrenatural
Emissora/Streaming: Netflix (2017–2020)
Temporadas: 3
Principais nomes do elenco: Louis Hofmann, Lisa Vicari, Andreas Pietschmann, Maja Schöne, Oliver Masucci
Classificação indicativa: 16 anos


