“Dias Perfeitos”: drama contemplativo de Wim Wenders chega à Netflix

Thais Bentlin
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Um homem desperta antes do sol, dobra a cama com cuidado quase cerimonial e atravessa a madrugada de Tóquio ao volante de uma velha van branca. Dias Perfeitos, produção alemã-japonesa dirigida por Wim Wenders, acompanha esse trabalhador silencioso no ritmo compassado de seus gestos diários. O longa, estrelado por Kôji Yakusho, chega ao catálogo da Netflix após boa recepção em festivais e críticas que o apontam como um dos filmes visualmente mais belos dos últimos anos.

Longe de reviravoltas grandiosas, a história centra atenções na rotina do protagonista, Hirayama, encarregado de limpar banheiros públicos espalhados pela cidade. O conflito surge quando pequenas interrupções ameaçam a ordem quase ritualística criada por ele para manter a própria estabilidade.

Protagonista constrói segurança em rituais diários

Hirayama escolhe uma fita cassete diferente a cada manhã, segue sempre o mesmo trajeto sobre pontes e avenidas, estaciona nos mesmos parques e fotografa as mesmas árvores com uma câmera analógica. A repetição, para ele, é antídoto contra a velocidade da metrópole, ainda que pese o cansaço físico, o salário modesto e a sensação de invisibilidade social.

Nos sanitários que higieniza, cada detalhe importa: espelhos ajustados, rolos de papel trocados na hora certa, torneiras testadas antes de partir. Esse cuidado, ignorado pela maioria dos usuários, transforma um serviço considerado menor em prática silenciosa de responsabilidade coletiva.

Chegada de colegas e família mexe com a rotina

A disciplina de Hirayama começa a sofrer abalos quando Takashi, colega mais jovem, passa a dividir a van e os trajetos. Takashi vê o emprego apenas como etapa temporária, vive grudado no celular, fala alto e tenta arrastar o veterano para bares e reuniões barulhentas. A diferença de ritmo provoca momentos de humor seco e irritação contida.

A maior virada acontece quando Niko, sobrinha adolescente do protagonista, aparece em seu apartamento após brigar com a mãe. Ele a acolhe sem perguntas longas, oferecendo futon e refeições simples. A menina, intrigada com aquele cotidiano improvável, acompanha o tio pelos parques e descobre beleza no que parecia tedioso.

Reencontro familiar revela antigas escolhas

O posterior encontro com a irmã de Hirayama, mãe de Niko, expõe um passado de expectativas frustradas: ela deseja recuperar a filha e, em parte, convencer o irmão a seguir um estilo de vida mais prestigiado. A recusa calma do limpador de banheiros sublinha que sua rotina não é fruto de inércia, e sim de decisão consciente.

Direção privilegia o olhar do personagem

Wim Wenders filma deslocamentos de forma paciente. Repetidos planos do protagonista ao volante, sempre em horários diferentes, permitem notar mudanças de luz, clima e fluxo de carros. A câmera permanece próxima ao rosto de Yakusho e ao painel da van, convidando o espectador a compartilhar esse campo visual limitado que só admite o imediato.

Para fugir da monotonia, o diretor insere variações na trilha sonora, rápidas interações com colegas e pequenos acidentes do cotidiano. Cada curva, assim, vira acontecimento modesto, sugerindo que o menor desvio pode alterar levemente o curso do dia.

Estabilidade passa a depender de flexibilidade

Conforme os dias avançam, o filme sugere que a segurança emocional de Hirayama não reside na rigidez absoluta, mas na capacidade de acolher desvios sem abandonar seu eixo. Ele continua acordando cedo, limpando banheiros e fotografando árvores, mas passa a tolerar visitas inesperadas, conversas mais longas e mudanças discretas de rota.

O resultado final se traduz num rosto que repete gestos antigos enquanto se surpreende, ainda que discretamente, com o que cada novo amanhecer pode conter. A trilha de cassetes rodando, o clique da câmera e o som da água correndo nos lavatórios se tornam indicadores de passagem do tempo e de adaptação.

Elenco, estreia e avaliação crítica

Lançado em 2023, Dias Perfeitos conta com atuações de Kôji Yakusho, Arisa Nakano e Tokio Emoto. O filme recebeu avaliação máxima (10/10) em publicações especializadas e foi elogiado pela construção visual, pela sensibilidade no retrato da solidão urbana e pelo desempenho contido de Yakusho, premiado em Cannes.

A chegada do longa à Netflix amplia o acesso do público brasileiro à obra, sobretudo daqueles que buscam dramas intimistas ou fãs de doramas interessados em narrativas japonesas mais contemplativas. Aqui no Salada de Cinema, a estreia é vista como oportunidade para novos olhares sobre a filmografia de Wenders e sobre as diferentes formas de enxergar a cidade.

Serviço

Título original: Perfect Days

Título em português: Dias Perfeitos

Direção: Wim Wenders

Elenco principal: Kôji Yakusho, Arisa Nakano, Tokio Emoto

País: Japão/Alemanha

Ano: 2023

Gênero: Drama

Duração: 124 minutos

Onde assistir: Disponível na Netflix (streaming via assinatura).

Avaliação crítica: 10/10

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Sou formada em Marketing Digital e criadora de conteúdo para web, com especialização no nicho de entretenimento. Trabalho desde 2021 combinando estratégias de marketing com a criação de conteúdo criativo. Minha fluência em inglês me permite acompanhar e desenvolver materiais baseados em tendências globais do setor.
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