For All Mankind, aclamada produção de ficção científica da Apple TV+, conquistou nota máxima de muitos críticos, mas não agradou a quem realmente já esteve no espaço. O astronauta canadense Chris Hadfield revelou que considera a série “excruciante” de assistir.
O comentário de Hadfield joga luz sobre a eterna discussão entre entretenimento e rigor científico. Mesmo elogiando o conceito de história alternativa, o ex-comandante da Estação Espacial Internacional apontou erros básicos que, segundo ele, comprometem a autenticidade da trama.
O que é For All Mankind?
A série, criada por Ronald D. Moore em parceria com Matt Wolpert e Ben Nedivi, imagina um mundo onde a União Soviética chegou primeiro à Lua. Nesse universo paralelo, Alexei Leonov substitui Neil Armstrong como o primeiro homem a pisar no satélite. A narrativa acompanha, década a década, as repercussões dessa derrota norte-americana e o prolongamento da Corrida Espacial.
Com foco em astronautas fictícios da NASA, a produção mostra missões repetidas ao solo lunar, a instalação de bases permanentes e, posteriormente, a ambiciosa viagem a Marte. O grande atrativo, além do drama humano, são os efeitos visuais que colocam o espectador dentro de cabines apertadas, módulos de pouso e caminhadas pela superfície sem ar.
A fala de Chris Hadfield
Em vídeo publicado pela revista Vanity Fair há dois anos, Chris Hadfield analisou cenas de diversas produções ligadas à aviação e ao espaço. Ao deparar-se com For All Mankind, o canadense não poupou críticas: “Há tanta coisa errada que chega a ser doloroso assistir”.
Ele destacou que, após alguns episódios, o roteiro “fica cartunesco” e apresenta astronautas “incompetentes” e “mal preparados”, algo que contrasta com a intensa seleção e o rigoroso treinamento exigidos pela NASA. Apesar das ressalvas, Hadfield reconheceu méritos pontuais, como a representação de um incêndio dentro do traje espacial e o funcionamento de uma arma de fogo na Lua, ambos considerados plausíveis.
Diálogo considerado artificial
Segundo Hadfield, conversas entre tripulantes demonstram falta de verossimilhança. Para o astronauta, profissionais em missão não trocariam falas tão “ensaiadas” ou rasas em momentos críticos, pois isso quebraria protocolos de comunicação e colocaria vidas em risco.
Competência dos personagens em xeque
Outro ponto criticado foi a aparente imperícia dos protagonistas. Hadfield lembra que equipes de alto desempenho não cometeriam erros básicos e que, na realidade, cada movimento no espaço é resultado de treinamentos repetitivos, checklists e simulações intensas.
Suspensão de descrença levada ao limite
For All Mankind exige que o espectador aceite situações improváveis. Entre elas, missões comandadas por personagens na casa dos 60 e até 70 anos, e a decisão de levar uma criança ao Planeta Vermelho. Embora decisões narrativas desse tipo ajudem a aumentar o drama, elas fogem ao que se pratica nas agências espaciais.
Os showrunners assumem liberdades criativas para explorar dilemas morais e políticos, mas a distância crescente entre realidade e ficção incomoda quem valoriza precisão científica — ou, no caso de Hadfield, quem já respirou ar reciclado em órbita. Ainda assim, parte da crítica especializada mantém a série no topo dos melhores títulos sci-fi da atualidade.
Imagem: Divulgação
Avaliação visual versus precisão
Os efeitos especiais receberam elogios até do próprio Hadfield. As superfícies ásperas da Lua e a gravidade reduzida são, para ele, retratadas de modo convincente. A fotografia, as texturas dos trajes e a iluminação das cabines reforçam a atmosfera de autenticidade.
Entretanto, o contraste entre imagens realistas e decisões roteirísticas questionáveis provoca estranhamento. Para o público que acompanha novelas, doramas ou outras produções com foco narrativo, talvez a ciência em segundo plano seja irrelevante. Para entusiastas e profissionais do setor, cada detalhe importa — e a reação do astronauta ilustra essa divisão.
Por que a crítica positiva persiste?
Mesmo com as falhas apontadas, For All Mankind segue colecionando prêmios e altas notas por seu enredo envolvente. A série acerta ao discutir temas como igualdade de gênero na astronautica, tensões geopolíticas pós-Guerra Fria e desafios da colonização espacial.
O carisma dos personagens, unido a reviravoltas constantes, garante maratonas empolgantes. É justamente esse equilíbrio entre drama humano e espetáculo visual que mantém a produção no radar do público — inclusive dos leitores do Salada de Cinema, que procuram boas histórias além dos tradicionais folhetins.
O que esperar dos próximos episódios?
A Apple TV+ já confirmou a continuação da trama, prometendo escalar o conflito entre Terra e Marte. A nova temporada deve aprofundar rivalidades políticas, ampliar a participação de veteranos e inserir tecnologia ainda mais futurista, aumentando, assim, o risco de novos atritos com especialistas.
Resta saber se os roteiristas ajustarão o compasso científico ou se dobrarão a aposta na fantasia. Enquanto isso, o comentário de Chris Hadfield funciona como lembrete de que, na ficção, nem sempre o consenso se estende a quem conhece o espaço em primeira mão.
Ficha técnica
Título original: For All Mankind
Plataforma: Apple TV+
Criadores: Ronald D. Moore, Matt Wolpert, Ben Nedivi
Estreia: 1º de novembro de 2019
Gênero: Ficção científica, drama
Temporadas: 3 (4ª confirmada)


