Dá para imaginar Demon Slayer com um herói cruel, virado em demônio, sedento por vingança? Isso quase aconteceu. O primeiro rascunho da série criada por Koyoharu Gotouge era pesado, sem humor e apostava em um protagonista vilão.
Foi a interferência direta do editor Tatsuhiko Katayama que impediu o tom sufocante. Ele pediu mudanças, trouxe leveza e transformou a história no sucesso global que conhecemos, presente em livrarias, plataformas de streaming e no topo das bilheterias.
Storyboard inicial pintava cenário sem esperança
Quando Gotouge entregou o storyboard original à revista Weekly Shonen Jump, o clima era de puro desespero. Inspirado no one-shot Kagarigari, o enredo narrava o massacre de uma família e a transformação do único sobrevivente em demônio. Movido pela dor, ele passaria a caçar seus algozes com extrema violência.
A proposta ignorava qualquer espaço para alívio cômico, elemento considerado obrigatório em séries longas da Shonen Jump. Tudo era sombrio: poucas falas leves, zero piadas e muita sede de sangue. Segundo Katayama, dificilmente esse material seria aprovado do jeito que estava.
Influência direta de Kagarigari
No one-shot original, o protagonista já seguia o caminho da vingança. Gotouge pretendia expandir essa premissa em Demon Slayer, intensificando a brutalidade e mantendo a aura sombria. Esse traço, no entanto, bateu de frente com o perfil editorial da revista.
Editor exigiu equilíbrio entre ação e empatia
Tatsuhiko Katayama viu potencial, mas entendeu que o público-alvo da Shonen Jump exige ritmo acelerado, tensão e, ao mesmo tempo, respiros cômicos. Ele solicitou um herói “mais normal” e, principalmente, capaz de demonstrar bondade mesmo em meio ao caos.
O pedido soou estranho para Gotouge, acostumado a tons mais escuros. Ainda assim, o autor topou o desafio: reescreveu o protagonista, inseriu momentos de leveza e ajustou a narrativa para equilibrar drama, humor e esperança.
Revisão que salvou a publicação
Intervenções editoriais costumam ser vistas com ressalvas, mas, nesse caso, foram vitais. Katayama lapidou a obra sem sufocar a essência de Gotouge: a violência permaneceu, porém acompanhada de compaixão e empatia. Foi o ponto de virada que permitiu a serialização na revista.
Imagem: Divulgação
A chegada de Tanjiro Kamado
Do anti-herói vingativo nasceu Tanjiro Kamado, um garoto gentil, determinado a salvar a irmã Nezuko e a proteger qualquer pessoa de sofrer tragédias como a sua. Ele ainda lida com perdas, mas jamais perde a humanidade, mesmo diante de demônios.
Essa mudança deslocou o foco da vingança para a empatia. Tanjiro conversa com inimigos, chora suas dores e enxuga o ranço da narrativa original. O resultado é uma jornada de superação que dialoga com leitores de todas as idades, ampliando o alcance do mangá.
Da revista às telas de cinema
Depois de aprovado, Demon Slayer ganhou páginas semanais, adaptação em anime e, por fim, longa-metragem que quebrou recordes de bilheteria no Japão. A história, agora repleta de esperança, conquistou fãs em todo o mundo e se tornou um fenômeno cultural.
Livros, games e produtos licenciados turbinaram a popularidade. Na televisão, o anime segue entre os títulos mais vistos em plataformas de streaming, alimentando o interesse por cada novo capítulo do mangá.
Um raro caso de edição que expande o público
Não é comum um editor intervir tanto e, mesmo assim, preservar o DNA do autor. Katayama conseguiu ajustar o tom sem diluir a intensidade de Gotouge. A parceria resultou em um título que agrada fãs de ação, drama e fantasia, impulsionando vendas mundo afora.
No balanço final, Demon Slayer prova que diálogo entre autor e editor pode mudar o destino de uma obra. Se o rascunho sombrio tivesse sido publicado sem revisão, talvez a série não tivesse atingido o patamar atual. Para quem acompanha o Salada de Cinema, fica a curiosidade: bastou uma decisão editorial para transformar uma história de vingança obscura em um épico de esperança que conquistou leitores, espectadores e críticos.


