Igor Lino | 24 de maio de 2014

Praia do Futuro | Coletiva de Imprensa

“Essa Praia do Futuro é muito perigosa”, diz Donato (Wagner Moura). A metáfora delicada surge logo no começo do filme “Praia do Futuro”, novo longa de Karim Aïnouz, e se refere à praia de Fortaleza conhecida pelo alto número de afogamentos. Um deles marca o início da história, dividida em três capítulos, cada parte focada […]

Praia do Futuro

“Essa Praia do Futuro é muito perigosa”, diz Donato (Wagner Moura). A metáfora delicada surge logo no começo do filme “Praia do Futuro”, novo longa de Karim Aïnouz, e se refere à praia de Fortaleza conhecida pelo alto número de afogamentos. Um deles marca o início da história, dividida em três capítulos, cada parte focada em um dos protagonistas.

A linha narrativa é única: depois desse afogamento que Donato, salva-vidas experiente, não consegue evitar, ele se dispõe a dar a notícia a um amigo da vítima, o alemão Konrad (Clemens Schick). Os dois acabam se envolvendo e mudam para Berlim juntos, um grande sofrimento para Donato, acostumado ao sol e ao mar cearense e com as relações não menos calorosas com seus familiares, em especial o irmão mais novo, Ayrton (Jesuita Barbosa).

É um filme de atores, a própria divisão deixa isso claro, bem como o trabalho desenvolvido com a famosa preparadora Fátima Toledo e meses de ensaio – em coletiva à imprensa, Wagner Moura agradeceu publicamente à produção por ter a sensibilidade de enxergar os ensaios como um investimento na qualidade da obra e não um desperdício de dinheiro.

É também um filme de silêncios, porque às vezes a linguagem – seja ela em português ou alemão – não dá conta de encontrar respostas. Em “Praia do Futuro”, os silêncios berram. Há algumas sequências ensurdecedoras (muito se deve à direção de fotografia primorosa, diga-se de passagem). Planos longos, que o espectador tem a oportunidade cada vez mais rara no cinema de apenas sentir, estabelecer empatia com a vida dos personagens, e se aproximar emocionalmente. Melancólico, é verdade, mas como defendeu o diretor na coletiva, “estar no mundo arde”.

Num desses momentos singulares, a câmera fixa no ator alemão a bordo de um barco de buscas nauseia o público. Em outro instante, a câmera frenética acompanha Donato extravasando sua dor em uma balada berlinense. A intimidade feliz do casal ao som do clássico francês “Aline”; a decisão doída de abrir mão de sua história e encarar a vida no estrangeiro; o reencontro desencontrado dos irmãos depois de anos. Nada precisa ser dito com palavras, e mesmo assim fala direto, pulsante.

As cenas de sexo gay protagonizadas por Wagner Moura causaram expectativa, e, por fim, a sexualidade do protagonista não define absolutamente nada na trama. O tema é tratado com tanto respeito, leveza e naturalidade, que se torna indiferente. O ator baiano simplifica, na coletiva de imprensa, minimizando definitivamente as questões que se levantam: “É um personagem complexo e, entre outras coisas, gay”. O alemão Clemens Schick completa: “Tem um quê de utópico nisso tudo, mas afinal ninguém te pergunta como se preparou para viver um personagem heterossexual e se foi difícil”. Jesuita Barbosa arremata, para encerrar a polêmica forçada pela imprensa: “Se você trabalha com arte isso não pode ser uma questão”. Jesuita, aliás, demonstra toda sua potência no papel do irmão de Donato na fase adolescente, e arranca elogios do diretor e dos colegas, sem deixar dúvidas de que é mesmo a grande novidade empolgante no cinema brasileiro.

Pouco a pouco, Karim cria seus três heróis humanos, de carne e osso, com suas qualidades e defeitos. Homenageia o diretor Werner Fassbinder com uma canção turca que remete a um de seus filmes, experimenta trilha sonora baseada em instrumentos de cordas, e encerra o longa com “Heroes”, de David Bowie. A síntese do “Masculino e delicado”, como o diretor definiu seu filme.