Bruno Martuci | 27 de maio de 2017

Piratas do Caribe – A Vingança de Salazar (2017)

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2017/05/pirati-dei-caraibi-la-vendetta-di-salazar-maxw-1280.jpg”] Poucas franquias cinematográficas fizeram tanto sucesso quanto a de Piratas do Caribe. Tendo como pontapé inicial A Maldição do Pérola Negra no ano de 2003, a série de filmes idealizada pela Disney Studios alcançou fãs em todo mundo e sua história girou em torno das aventuras sobrenaturais – e um tanto quanto cômicas […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2017/05/pirati-dei-caraibi-la-vendetta-di-salazar-maxw-1280.jpg”]

Poucas franquias cinematográficas fizeram tanto sucesso quanto a de Piratas do Caribe. Tendo como pontapé inicial A Maldição do Pérola Negra no ano de 2003, a série de filmes idealizada pela Disney Studios alcançou fãs em todo mundo e sua história girou em torno das aventuras sobrenaturais – e um tanto quanto cômicas – do Capitão Jack Sparrow (Johnny Depp) e de sua tripulação, trazendo à tela personalidades memoráveis como Elizabeth Swann (Keira Knightley) e Will Turner (Orlando Bloom) que o acompanharam nesta jornada.

É um fato dizer que, como diversos contos, a base que move os personagens de Piratas é a própria jornada do herói idealizada por Joseph Campbell no final da década de 1940. Afinal, temos aqui uma criação material restringida a uma vida linear até que forças cósmicas o coloquem em uma linha narrativa inimaginável – isso é mais claro com Swann do que com Sparrow, apesar dos dois terem arquitetações que convirjam a um ponto em comum. É também um fato inquestionável dizer que, a partir da terceira iteração – e com endossamento na quarta -, a franquia caiu em seus próprios deslizes e furos para nos entregar uma história nem um pouco crível ou satisfatória.

Tal qual foi o anúncio de A Vingança de Salazar em meados do ano passado para nos livrar de uma gastura complicada e angustiante: como indicava os inúmeros teasers e trailer divulgados até o começo de 2017, a franquia desejava retornar às suas origens e àquilo que permitiu que nos apaixonássemos pela vida nos sete mares. Neste quinto longa-metragem, somos introduzidos a novos personagens – que poderiam prever uma possível saturação, como a vista em Navegando em Águas Misteriosas (2011).

Basicamente este é o grande equívoco do filme: não saber dosar e encontrar um equilíbrio sustentável entre seus inúmeros personagens. Entretanto, é notável o duro trabalho de Jeff Nathanson para manter os múltiplos eventos atados a um mesmo ponto – em outras palavras, e diferente de seus predecessores, cada uma das subtramas converge para momentos em comum, seja do passado, do presente ou do futuro. Já na primeira sequência, encontramos um jovem garoto se aventurando noite afora para encontrar o famoso e temível Holandês Voador, cuja posse está pelas mãos de Will Turner. Tudo acontece de forma muito rápida, mas sua duração frenética é compreensível – e mesmo assim, não posso deixar de citar a falta de profundidade em diálogos que visam explicar a inexorabilidade das maldições.

Como a introdução se desenrola muito rápido, a essência do discurso apresentado pelo personagem de Bloom pode não ser compreendida logo de cara, mas suas falas são o prenúncio do fim, ainda que indiquem o exato oposto. Dentro de diversas mitologias, o ocultismo sempre foi uma saída para tentar fornecer algum esclarecimento sobre o inexplicável – e normalmente fechavam um ciclo vicioso com sua própria imutabilidade. Ele tenta deixar claro para seu filho, Henry, que seu destino já fora traçado e que não há como mudar o que aconteceu (para aqueles que não se recordam, Will assumiu o controle do Holandês após assassinar Davy Jones, selando sua submissão às forças das trevas).

E é a partir daí que a história realmente encontra seu início: diferentemente de Águas Misteriosas ou No Fim do Mundo, aqui Jack é requisitado por Henry (interpretado na cronologia presente por Brenton Thwaites) para encontrar um objeto perdido intitulado Tridente de Poseidon – e, de acordo com as lendas, este é o único artefato poderoso o suficiente para quebrar qualquer maldição dos sete mares. O rapaz logo encontra uma outra personalidade que busca por seu autodescobrimento da forma mais cômica possível: num pós-julgamento de feitiçaria. Aqui, conhecemos a figura de Carina Smyth (Kaya Scodelario), uma astrônoma e cientista acusada de compactuar com a demonologia pelo simples fato de gostar dos estudos e analisar o posicionamento das estrelas como ninguém. Sua caracterização reforça os valores da época em que o filme é ambientado, incluindo a crescente disparidade de gêneros e a constante procura por espaço numa sociedade essencialmente masculinizada.

Smyth nos relembra em diversos aspectos de outras personagens femininas da franquia, incluindo Swann e Angelica Teach (Penélope Cruz): a irreverência e o cinismo que traz consigo é ao mesmo tempo cômica e adiciona elementos de complexidade para sua construção arquetípica, mostrando que, mesmo com a escassez de mulheres dentro de franquias épicas, a simples existência de uma personalidade como a supracitada é o suficiente para roubar o foco da cena em diversos momentos. O grande problema é sua relação com Henry, a qual, como podemos prever, parte de uma relação de desprezo e culmina numa subtrama romântica que em nada auxilia para a compreensão do contexto geral.

Os momentos de glória vêm, como de esperado, com os embates entre Sparrow e o mais novo antagonista – digno de comparação com Davy Jones, apesar de não trazer uma presença de cena igual: Capitão Salazar, interpretado por Javier Bardem. Acontece que Salazar foi um dos principais idealizadores da “limpa marítima”, que consistia em banir dos oceanos a presença pandêmica de piratas e lobos-do-mar. Sua impetuosidade e sua crença cega de que apenas os dignos deveriam singrar as complexas águas dos mares é o que o torna amedrontador e charmoso logo nos primeiros minutos de cena – e essa atmosfera sombria é retificada com o trabalho do diretor de fotografia Paul Cameron, que substitui Dariusz Wolski em A Vingança de Salazar. Apesar desta mudança notável, que busca por um equilíbrio linear entre diferentes ambientações, podemos notar grande referência de Cameron em seu predecessor, principalmente pelo uso monocromático de luz e sombra em momentos de tensão e a soberba escolha de névoa densa para metaforizar a presença do desconhecido e do mortal.

É interessante notar que, conforme revelações da narrativa e de seus personagens são feitas, o misticismo que perscruta as cenas – seja em seu design ou até mesmo na construção da luz – dá lugar a uma clareza ambígua que, mais de uma vez, indica algo que se autorrefuta com as viradas de cada ato.

A linha principal a ser seguida é a do Tridente de Poseidon. Entretanto, não são poucos os personagens que buscam por tal objeto – e é exatamente essa constatação que torna o roteiro falho em diversos momentos. A harmonização entre cenas de ação e diálogos bem trabalhados deixa a desejar em alguns momentos, priorizando pelo embate quase inverossímil de Sparrow e seus comparsas contra obstáculos – incluindo o literal roubo de um banco – e esquecendo da evolução narrativa. Salazar, no meio do caminho, encontra a figura sempre bem-vinda do Capitão Barbossa (Geoffrey Rush) que, após sofrer com seus ares imperialistas e nem um pouco modestos, encontra um arco de redenção emocionante e que felizmente não cai nas ruínas do melodramático.

Devo dizer que os efeitos especiais merecem um parágrafo de consideração por não ficaram tão artificiais em cena. O trailer nos apresentava uma versão não finalizada de toda a maquiagem que perscruta os antagonistas – e o filme traz uma preocupação sincera sobre como transparecer sem cair em clichês estéticos uma caracterização de Salazar e seus soldados que expressasse todo o sofrimento pelo qual passaram.

Em suma, A Vingança de Salazar é um avanço narrativo e estético em relação ao seu predecessor, apesar de trazer deslizes que contribuem para a percepção de tempo – afinal, o longa tem mais de 120 minutos. Entretanto, o elenco, as atuações e a própria construção de cenas de maior adrenalina são o suficiente para transformá-lo em uma aventura satisfatória e que viria como um bom desfecho para a franquia.

Nota (CUIDADO: muitos spoilers à frente): que Henry consegue quebrar a maldição ao lado de Carina é uma obviedade mais que explanatória. Agora, o que não poderíamos prever era um reencontro, ainda que breve, entre dois personagens que tocaram nossos corações desde o primeiro momento em cena – Will Turner e Elizabeth Swann. Apesar dos poucos segundos em cena e a ausência de qualquer diálogo, tal reencontro é o suficiente para resgatar a química entre Bloom e Knightley que sempre se configurou como os pontos de maior catarse dramática da franquia.

E para aqueles que pensavam que o final de Piratas do Caribe já estava prenunciado, quero informá-los de que não é bem assim que a dança acaba: numa cena pós-créditos, Will é assombrado por um pesadelo protagonizado por Davy Jones – sua nêmese -, mas logo acorda ao lado de sua amada, nos indicando que tudo não passava de uma alucinação traumatizante. Entretanto, antes do fade out final, vemos resquícios do corpo marinho do vilão, deixando no ar a possibilidade de um retorno – ou até mesmo de um reboot.

Assista ao trailer de ‘Piratas do Caribe – A Vingança de Calazar’:

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