Diego Olivares | 5 de outubro de 2017

O Formidável

O francês Micheel Hazanavicius foi o grande vencedor do Oscar de 2012 com o filme “O Artista”. Muito do charme de sua produção estava nas homenagens, presentes no enredo, no formato e na linguagem, ao cinema clássico hollywoodiano, mais especificamente no momento de transição do cinema mudo para o falado. Seu novo filme, “O formidável”, […]

O francês Micheel Hazanavicius foi o grande vencedor do Oscar de 2012 com o filme “O Artista”. Muito do charme de sua produção estava nas homenagens, presentes no enredo, no formato e na linguagem, ao cinema clássico hollywoodiano, mais especificamente no momento de transição do cinema mudo para o falado. Seu novo filme, “O formidável”, repete este aspecto mimético do diretor, desta vez num âmbito mais caseiro. Trata-se de uma biografia de Jean-Luc Godard, um dos grandes diretores franceses, extremamente relevante durante a nouvelle vague. Para contar a história do diretor, Hazanavicius usa e abusa das peculiaridades estéticas e de linguagem do próprio Godard, resultando numa metalinguagem divertidíssima de acompanhar.

Redoubtable-Louis-Garrel

Confesso que sou bem leigo em relação à Godard. Vi poucos de seus filmes e conheço ainda menos de sua vida pessoal, portanto sou incapaz de julgar a fidelidade aos fatos representados em cena ou da caracterização física e de personalidade das personagens. Dito isso, Godard não é conhecido pela sua simpatia e isto fica claro no filme. A representação do diretor é extremamente antipática e mesquinha, o que resulta nos principais atritos da trama e em excelentes momentos cômicos.

Louis Garrel é quem dá vida ao diretor e divide o protagonismo do longa com Stacy Martin, que vive Anne Wiazemsky, jovem atriz e esposa de Godard. O filme acompanha um momento muito específico da vida do diretor: já estabelecido como um dos grandes diretores contemporâneos, o francês, engajado com as tensões políticas e o movimento estudantil de 68, decide não mais só fazer filmes revolucionários no que diz respeito à linguagem, e assume uma faceta revolucionária de fato. Isto resulta em inúmeros atritos externos, com outros cineastas, com seus amigos, com sua esposa e com outros revolucionários. O único atrito que não existe é o interno. O personagem é muito teimoso e seus posicionamentos inflexíveis, abominando seus trabalhos anteriores e escrachando qualquer um que o questione. Talvez sua única autorreflexão seja em relação à sua idade e sua classe social.

Mas o principal acerto do filme está na sua linguagem. Além de usar características do Godard na montagem, na arte e na quebra da quarta parede, “O formidável” é completamente ciente do que é (outra característica do francês, por sinal): trata-se de um filme, com atores, exibido para um público e sobre Jean-Luc Godard. O resultado são momentos e piadas de muita criatividade.

Mesmo com tantas referências, é possível encontrar as qualidades de Hazanavicius. O diretor entrega mais um filme gostoso de se assistir, que reverência o trabalho de um grande artista, mas que não tenta, em momento algum, idolatrar o homem. Muito pelo contrário.

Obs.: “O formidável” faz parte da programação do Festival do Rio 2017 e tem estreia prevista para 26 de outubro nos cinemas brasileiros.