Fernando Campos | 31 de março de 2016

O Bebê de Rosemary

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/03/ROSEMARYSBABY001A.jpg”] Depois de Catherine Deneuve e sua Repulsa ao Sexo, vamos dar continuidade a maravilhosamente angustiante Trilogia do Apartamento de Roman Polanski. Adaptado do best seller de horror de Ira Levin publicado em 1967, O Bebê de Rosemary, tornou-se o filme assinatura do diretor. É praticamente impossível separar o livro do filme. Vou dizer […]

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Depois de Catherine Deneuve e sua Repulsa ao Sexo, vamos dar continuidade a maravilhosamente angustiante Trilogia do Apartamento de Roman Polanski. Adaptado do best seller de horror de Ira Levin publicado em 1967, O Bebê de Rosemary, tornou-se o filme assinatura do diretor. É praticamente impossível separar o livro do filme. Vou dizer o porquê.

Adaptação de livros pro cinema é coisa séria. Claro que é recomendável ler o livro antes de ver o filme, mas sabemos que nem sempre é possível. Existe aquele tipo de adaptação com mudanças e inserção de detalhes não disponíveis nas páginas: que podem ou não funcionar. O importante é não perder a essência. E também aquela adaptação rara, que nem devemos chamar exatamente de adaptação: é como ler o próprio roteiro do filme, de tão fiel que o roteiro é às páginas. A ordem dos acontecimentos, inclusive ler os diálogos com a voz dos atores, que é totalmente o caso d’O Bebê de Rosemary, também publicado sob o título A Semente do Diabo.

O filme nos apresenta os recém-casados Rosemary e Guy Woodhouse, que alugam um apartamento em um antigo prédio em Nova York, o Bramford, um edifício sombrio no estilo vitoriano com um extenso histórico de crimes e acontecimentos sobrenaturais, inclusive um número elevado de suicídios. Hutch, um senhor de idade, amigo de Rosemary, tenta alertá-los sobre a reputação do edifício. Em vão. Guy é ator de teatro e faz alguns comerciais, que é onde o dinheiro está, de fato. Por ele ser protestante, Rosemary foi renegada por sua família (católica) ao se casar com Guy. O casal parece feliz, mas crises estão por vir: ela quer ter filhos, ele só pensa na carreira, que parece desmoronar diante dos seus olhos. Eles se tornam amigos de Minnie e Roman Castevet, os simpáticos (e inconvenientes) vizinhos, cuja convivência frequente e a amizade misteriosa deles com Guy acaba por trazer preocupações a Rosemary. A partir daí, a pobre moça não vai ter mais sossego.

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Engraçado que o livro/filme tenha sido classificado como ‘terror’. Parece mais coerente ser classificado como suspense, já que Rosemary está claramente paranóica, assim como o espectador. Inúmeros acontecimentos e ela não sabe o que é real ou fantasioso (conte-nos uma novidade), enquanto vai definhando com o intuito de proteger o filho que ainda não nasceu. Sim, ela finalmente consegue engravidar, depois do comportamento relutante do marido em relação a gravidez. Uma inusitada gravidez com diferentes sintomas do convencional. O obstetra diz a ela para não se comunicar com amigas e nem falar sobre gravidez com elas ou ler livros sobre o assunto, alegando que cada gravidez é diferente uma da outra.

Rosemary tem desejos estranhos como carne crua e perde peso durante a gravidez (e o corte icônico de Vidal Sassoon só acentuou ainda mais isso). Gravidez onde a mulher perde ao invés de ganhar peso? Sem contar nas dores constantes e o medo de perder o bebê. Além de tudo isso, a paranóia. Sim, a paranóia. Rosemary passa a desconfiar dessa amizade tão forte de Guy com os Castevets. Percebe que ele não olha mais pra ela como antigamente, como se tivesse uma repulsa por ela. O pesadelo de olhos abertos de Rosemary faz com que ela desconfie de todos a sua volta, menos de seu bebê. Todos nós esperamos que Rosemary se vingue dos vizinhos intrometidos, inclusive do marido. Mas será que seu instinto permitirá isso? E o final? Que senhor final.

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Uma singela análise em relação ao livro: Rosemary é submissa e confia muito em Guy. Foi assim que Polanski trabalhou na posição da mulher como refém da sociedade machista. Uma mulher obediente ao marido esforçado e aspirante a fama. Uma família que exala perfeição pelos poros, o que não deixa de ser uma crítica à sociedade norte americana, a vida de aparências e o conservadorismo. Guy passa por cima da moralidade e deixa a ambição tomar conta. Quando um casal homossexual é citado no livro (são vizinhos de Rosemary e Guy) é possível perceber um tom na voz do narrador no seguinte parágrafo, quando se trata das pessoas do edifício:

“Nem sombra, contudo, das Irmãs Trench (comiam criancinhas, literalmente), nem de Adrian Marcato (o bruxo mor, um dos pioneiros da magia negra) e Keith Kennedy, Pearl Ames (seus seguidores), ou seus atuais equivalentes, Dubin e DeVore eram homossexuais, e todos os demais pareciam gente absolutamente comum”.

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É claramente perceptível que eles não são citados como gente comum e sim junto com as irmãs canibais e com o líder da magia negra. Gente diferenciada? A visão que os Castevets tem de religião também é digna de nota: indústria do entretenimento. Quando o Papa visita a cidade, eles dizem: “figurinos, rituais…é assim em qualquer religião, não só no catolicismo” e “o quanto que gastam em jóias, minha nossa”. Assim como o filme O Exorcista, o Bebê de Rosemary tem um background macabro de acontecimentos no histórico de produção do filme. Um ano depois do lançamento do “Bebê”, Sharon Tate, mulher de Polanski, foi assassinada pela seita de Charles Manson, que por sua vez culpou o Álbum Branco dos Beatles sobre cometer as atrocidades. E também o fato de John Lennon ter sido assassinado em frente ao Edifício Dakota em Nova York, local onde morava.

O Bebê de Rosemary não utiliza artifícios como sangue e gore. É um terror psicológico de alto nível justamente pela sua natureza realista, pela reflexão da existência de sociedades secretas. Há muito tempo que bruxas não são mais representadas com nariz pontudo e sem atrativos. São todos trabalhados na elegância e na inteligência, além de estarem ligados a pessoas importantes como grandes pensadores ou filósofos. O longa foi um dos precursores de filmes como O Exorcista e A Profecia. Mia Farrow está estupenda como Rosemary. John Cassavettes faz Guy e Ruth Gordon está divina como Minnie Castevet, papel que lhe rendeu um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Assista abaixo ao trailer do filme:

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Pra finalizar, a trilha de Krzysztof Komeda captura cada momento do longa brilhantemente. Seja os momentos felizes em família como os de tensão, os cânticos dos representantes da seita e, claro, a paranóia sem limite de Rosemary. Por exemplo, esta composição do filme soa como uma agradável música ambiente de um dentista sádico prestes a te estribuchar:

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Livro e filme magistrais. Não tem como falar “o livro é melhor”, porque a adaptação é tão fiel que não é possível colocar um acima do outro. De verdade. Não vai se arrepender. Desconfie daquele seu vizinho prestativo e bonzinho. Dica de amigo. Fiquem ligados para a próxima semana, o final da Trilogia do Apartamento.