| 29 de novembro de 2014

Filme independente destaca universo de pessoas “invisíveis”

Quantos de nós já parou 5 minutos para ouvir o que tem a dizer o porteiro do prédio? Ou prestar atenção nas histórias de vida da faxineira do escritório? Essas pessoas, muitas vezes, ganham um poder que elas mesmo não gostariam de ter: o da invisibilidade social. Elas estão ali, presentes de corpo e alma, […]

Quantos de nós já parou 5 minutos para ouvir o que tem a dizer o porteiro do prédio? Ou prestar atenção nas histórias de vida da faxineira do escritório? Essas pessoas, muitas vezes, ganham um poder que elas mesmo não gostariam de ter: o da invisibilidade social. Elas estão ali, presentes de corpo e alma, mas para muita gente é como se não estivessem, afinal, não são nossos amigos e não queremos perder tempo com elas. Vemos essas pessoas por obrigação. Às vezes, damos “bom dia!”, às vezes não. Estão para nos servir e só sentimos falta quando estão ausentes.

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Pessoas assim são o mote do filme Alguém Qualquer, filme independente que venceu a categoria “Melhor Longa-Metragem” no Beloit International Film Festival (considerado pela crítica especializada como a verdadeira alternativa ao festival de Sundance) e terá distribuição da Panda Filmes. A estreia está marcada para a próxima sexta-feira, dia 4 de dezembro e o Salada de Cinema entrevistou Tristan Aronovich, diretor de Alguém Qualquer, que também escreveu o roteiro, editou e atuou! O trailer do filme está logo abaixo da entrevista. Acompanhe:

Tristan, fazer cinema no Brasil não é fácil. Cinema independente é mais difícil ainda. Conta um pouco para a gente como foi tornar possível “Alguém Qualquer”?
Realmente realizar cinema independente é uma grande batalha, e no caso do ALGUÉM QUALQUER, que não utilizou o sistema das leis de incentivo, a batalha é maior ainda! Mas eu amo cinema. Não conseguiria não fazer cinema, então por mais que haja obstáculos de absolutamente toda natureza (burocráticos, humanos, econômicos etc.), arte é minha vida e é preciso dar um jeito. Basicamente, para viabilizar o projeto, utilizamos verba privada do Latin American Film Institute e do Instituto Stanislavsky, além disso, contei com excelentes profissionais (praticamente todos meus ex-alunos) que também estavam dispostos a encarar a batalha em nome de um projeto no qual todos acreditávamos. Finalmente, contamos ainda com o apoio de empresas como a imobiliária Tele-Regina, a padaria Elite e a rede de supermercados Simpatia em Caçapava, além de apoio da secretaria de cultura de Cordeirópolis, onde grande parte do filme foi rodado.

Recentemente, o filme Jogos Vorazes: A Esperança – parte 1 estreou em quase metade de todas as salas de cinema no Brasil. O que você acha desse fenômeno?
É um fenômeno sui generis, pois, de um lado, já temos proporcionalmente poucas salas de cinema per capita no Brasil (e, quando se trata de filme nacional independente, menos salas ainda!), logo, quando um arrasa-quarteirões ocupa metade das salas, isso pode significar empurrar para fora do circuito muitos filmes que mereciam demais um espaço de exibição. Por outro lado, é o que o público quer ver. Não adiantaria muito reservar mais salas para produções de arte se o público não prestigia as obras. Enfrentamos então um cenário paradoxal: onde está o problema? No
público que não tem o hábito de assistir filmes independentes nacionais? Nas grandes empresas distribuidoras? Nos donos das salas de cinema que não apostam em filmes de arte? É difícil responder. É mais do que somente uma questão econômica. É também uma questão cultural.

O filme recebeu o título de melhor longa-metragem do Beloit International Film Festival. Se não fosse este prêmio, você acha que conseguiria espaço para a exibição do seu filme?
Olha, os prêmios realmente ajudam pois dão ao filme um certo “pedigree”. E com muito orgulho e alegria posso contar que o filme conquistou vários prêmios de prestigio além do prêmio de melhor filme em Logan (aliás, um prêmio que me emocionou muito foi o prêmio “Humanitário” que conquistamos no Festival de Sedona). Mas, de qualquer forma, independente dos prêmios,
tenho uma relação muito boa com a Distribuidora Panda Filmes, então acredito que mesmo sem os prêmios eles teriam acreditado no potencial e na importância do projeto.

Conte um pouco mais sobre “Alguém Qualquer”. O filme fala sobre pessoas invisíveis sociais? É isso mesmo?
O filme fala sobre os 99% ! Basicamente, os milhões (ou bilhões!) de trabalhadores anônimos que dão suas vidas para que o mundo funcione, para que o mundo gire. São os pedreiros, faxineiros, encanadores, auxiliares de obras, porteiros, zeladores, motoboys, faxineiras e secretárias do lar…enfim, todos esses profissionais que estão constantemente ao nosso redor e que, infelizmente, são em grande parte ignorados pela sociedade que servem. Quantos de nós não sabem sequer o nome dos próprios porteiros? Sempre fui fascinado por esses homens e mulheres e por suas histórias. A sociedade pode não “vê-los” mas eles tem sonhos, planos e histórias de vida muitas vezes épicas e tocantes (como a história que inspirou o Alguém Qualquer).

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Como é ser roteirista, diretor, ator e editor de um mesmo filme?
É uma delícia! Esse filme realmente foi uma obra extremamente pessoal para mim, então eu fiz questão de estar envolvido em todas as etapas e setores. Evidentemente, desempenhar diversas funções exige muito mais tempo e planejamento, mas é possível. Durante os ensaios, eu me revezava como ator e diretor. Quando estava atuando, meus assistentes de direção (Luciana
Stipp e Jessé Henrique) assumiam a direção de acordo com todos os elementos estéticos e dramáticos que havíamos discutido anteriormente, então, resolvidas as questões logísticas, a coisa ficava possível!

Na sua opinião, o que poderia se fazer para o cinema independente conseguir atrair mais pessoas para as sessões?
É um esforço coletivo que deve partir de diversos setores. Inicialmente, é preciso que o público perceba que esses filmes podem ser verdadeiros tesouros! Para que um filme toque e emocione o público não é necessário um orçamento gigantesco investido em efeitos especiais, super-heróis ou grandes estrelas. Aliás, nas exibições do Alguém Qualquer nos festivais nos Estados Unidos, eu sempre avisava o público de que “não haveria explosões, perseguições de carros em alta velocidade e atores saídos de catálogos de moda” e adivinhe? O público adorava e aplaudia em pé! Muita gente está cansada de “filmes-espetáculo”. Basta uma boa história (algo que parece estar em extinção das salas de cinema)! Ao mesmo tempo, para que o público possa apreciar tudo que o cinema independente pode oferecer, é preciso que eles tenham acesso a esses filmes, e, nesse caso, entram as distribuidoras e os exibidores (desde canais de televisão até salas de
cinema e redes de exibição online como netflix e semelhantes) que realmente tem o poder de fazer o filme chegar até o público.

Assista ao trailer

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