Pedro C Pardim | 24 de dezembro de 2014

cine clássicos: A caixa de Pandora

A caixa de Pandora, Die Büchse der Pandora, Georg W. Pabst, Alemanha, 1929, 133 min (há versões mais curtas, com 101 min). [img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/12/PPANDORA-.jpg”] Pandora, das mais belas criações dos deuses Hefesto e Athenas, recebeu das mãos de Zeus uma linda caixa. Há versões que contam que não era bem uma caixa, mas antes uma […]

A caixa de Pandora, Die Büchse der Pandora, Georg W. Pabst, Alemanha, 1929, 133 min (há versões mais curtas, com 101 min).

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Pandora, das mais belas criações dos deuses Hefesto e Athenas, recebeu das mãos de Zeus uma linda caixa. Há versões que contam que não era bem uma caixa, mas antes uma jarra ou mesmo uma ânfora: fato é que recebeu um recipiente ricamente ornamentado e fechado. Com esse objeto desceu a Terra para se encontrar com Epitemeu, irmão de Prometeu – aquele que foi castigado por milênios por ter concedido aos homens o fogo. Ao abrir a caixa, Pandora liberou diversos dilemas e futuros problemas humanos: a avareza, o egoísmo, a inveja, dentre outros. No fundo da caixa teria ficado tão somente a esperança, um lindo e sorridente rosto que estaria sempre a salvo e literalmente à espera para se manifestar.

Como mito que é a caixa de Pandora já foi narrado de diferentes e mesmo contraditórias maneiras, mas o fundamental é que auxiliou gerações a compreender alguns aspectos da convivência entre mulheres e homens. Aqui a existência de males e perigos que podem estar escondidos, mas presentes, assim como a possibilidade de enfrentá-los e vencê-los. Se esperança tem a ver com esperar, há outras versões que defendem que o significado da palavra grega presente no mito diz respeito à antecipação, ou seja, a não sabermos antes quais males nos esperam, como a morte, e por isso termos força suficiente e condições de viver e enfrentarmos todos os dias os desafios. A curiosidade de Pandora, tão humana como todos nós somos, não ultrapassou esse limite, pois Pandora conseguiu se controlar e fechar a caixa antes que todo o seu conteúdo escapasse para sempre.

Bem, o filme mudo de Pabst dialoga diretamente com esses e tantos outros sentidos que podem ser apreendidos do mito grego. Sua Pandora, a enigmática e desconcertante Lulu de Louise Brooks, tem uma trajetória das mais intensas e acidentadas. Ela está em constante movimento, abrindo e fechando portas às pessoas, entrando e saindo por portas abertas e fechadas por essas e outras pessoas, enfim, dando ainda mais movimento a uma série de vidas. Nesse percurso sempre deixa um rastro de marcas, algumas bastante dolorosas, mas que não dizem respeito exatamente, a meu ver, em uma suposta responsabilidade exclusiva: antes me parece que a partir dela, como disparador mesmo, nuances e desejos ocultos vêm à tona com tal força que vários daqueles homens e mulheres não conseguem lidar com isso.

Lulu é dançarina e namorada de Ludwig Schön (Fritz Kortner), um editor de jornal. O filho de Schön, Alwa (Francis Lederer) é apaixonado por ela, assim como sua amiga, a condessa Geschwitz (Alice Roberts). Pode-se dizer que há um grupo de pessoas que orbitam com mais ou menos intensidade em relação a Lulu, que catalisa essas forças em diversos sentidos. Após a montagem de uma série de espetáculos no qual é protagonista, e do tão desejado casamento com Schön pai, Lulu se verá diante de enormes dificuldades, de vários tipos. Sua trajetória sempre tão oscilante ganhará ainda mais drama, sem perder jamais a leveza ambígua que é consequência direta de sua personalidade e planos futuros. Essa ambiguidade, que aparece no filme ora como sedução, ora como perigo de morte, é um dos grandes trunfos da história e remete diretamente à interpretação de Brooks e ao mito grego.

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Pabst assina o roteiro do filme com Joseph Freisler baseado em peças teatrais de Franz Wedekind. Uma curiosidade sobre esse filme é o fato de ser considerado um dos primeiros na história do cinema em que uma personagem lésbica surge no enredo, aqui representada pelo importante papel de Alice Roberts. Aliás, as relações existentes entre os personagens, ainda que pudessem chocar algum ponto de vista mais conservador, são apresentados e desenvolvidos de modo bastante coerente e sem juízos de valor que impeçam nossa apreciação do enredo. Um melodrama daqueles – e ótimo!

A caixa de Pandora é uma obra de inspiração expressionista com fotografia marcante e que lhe confere um clima bastante bonito! Os contrastes entre claro e escuro dos ambientes, do cabelo e maquiagem de Lulu, do figurino, enfim, o contraste em si é um dos pontos altos do visual do filme e evocam de algum modo interpretações possíveis sobre as luzes e sombras que o mito de Pandora propõe – e as experiências humanas de modo geral instigam a pensar. Um dos grandes clássicos do cinema, sem dúvida alguma.

P.S. esse é o último Cine Clássicos do ano e encerro por enquanto minha participação no Salada de Cinema, ao menos com a coluna quinzenal. Infelizmente não poderei seguir com esse fluxo de textos, mas sigo acompanhando os outros ótimos colunistas do site (que recomendo fortemente!) e espero um dia voltar a integrar essa equipe tão bacana. Até lá, desejo muitas belezas e ótimos momentos cinematográficos, clássicos ou não, a todos os leitores!