Igor Lino | 3 de outubro de 2010

Boa Noite e Boa Sorte

O cheiro forte de sala fechada dos carpetes e das poltronas de couro denunciava a falta de movimento por ali. Misturando-se lentamente com o aroma de pipoca – feita à moda antiga por um senhor de rosto cansado – o cinema abria suas portas para mais uma sessão. Nada remetia às modernas instalações de seus […]

O cheiro forte de sala fechada dos carpetes e das poltronas de couro denunciava a falta de movimento por ali. Misturando-se lentamente com o aroma de pipoca – feita à moda antiga por um senhor de rosto cansado – o cinema abria suas portas para mais uma sessão. Nada remetia às modernas instalações de seus concorrentes. Não havia sequer nivelação da plateia para que um espectador mais agirafado não atrapalhasse o atarracado da fileira de trás. Mas havia um incontestável charme pairando no ar junto com a poeira.

O filme era “Boa Noite e Boa Sorte” (2005), que por uma coincidência incrível tinha toda sua estética em preto e branco, reforçando a aura retrô do local. Aos poucos as pessoas foram chegando. Primeiro um casal, que se sentou ao fundo com más intenções, depois uma senhora esbaforida trazendo suas pipocas estouradas de casa – o que lhe causou certo desentendimento com o lanterninha – e por fim mais três ou quatro pessoas avulsas, que já entraram com as luzes apagadas.

O som era sofrível, a imagem custou a centralizar-se e firmar um foco, e minha rinite já dava sinais de incomodar-se naquele local. Mas George Clooney nunca me pareceu tão bem contextualizado quanto no Gemini, o famoso cinema da década de 70, situado nas entranhas da Avenida Paulista.

Nunca mais voltei lá. Esqueci-me de sua existência até ser surpreendido por uma pequena nota em um site de notícias: Nunca mais poderia voltar, porque este cinema, uma referência da cena alternativa paulistana, fechou as portas no último domingo. O tom sepulcral, quase funerário da nota, me causou um espanto incompreendido. Porque me desesperar se estive lá apenas uma vez e não pretendia voltar tão cedo? Porque o Gemini representava bravamente a quase extinta categoria dos cinemas de rua, de programação apurada, espaços únicos e público restrito. Seu fechamento vem, junto ao agonizante Belas Artes, explicitar que a batalha está sendo perdida pouco a pouco.

Meus mais sinceros sentimentos…

Por Victor Gouvêa, do Blasfêmia Cotidiana