Bruno Martuci | 31 de outubro de 2016

A Garota no Trem (2016)

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/11/126798.jpg”] A Garota no Trem é um filme ilógico, mas não no sentido agradável. Se isso soa como um fraco elogio, bem, é e não é ao mesmo tempo. Sempre há algo a se dizer sobre um entretenimento que sustenta sua própria loucura até um final inesperado. Este, por exemplo, pode não fazer muito […]

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A Garota no Trem é um filme ilógico, mas não no sentido agradável. Se isso soa como um fraco elogio, bem, é e não é ao mesmo tempo. Sempre há algo a se dizer sobre um entretenimento que sustenta sua própria loucura até um final inesperado. Este, por exemplo, pode não fazer muito sentido, mas – como um velho e demente filme noir ou um show de Shonda Rhimes elevado ao nível máximo de loucura -, o longa não hesita em investir na insanidade ou em sua própria seriedade distorcida. Nem ao menos pisca. Você pode até rir (como o público ao qual observei), e há um prazer genuíno em fazê-lo.

A história é baseada no romance homônimo escrito pela autora britânica Paula Hawkins, em 2015, ficou no topo da lista de mais vendidos do The New York Times e pode ser entendida como uma mistura entre narrativas impossíveis, personagens suspeitos, emoções à flor da pele, estereótipos de gênero e um mistério gradativo que se torna tão perigoso quanto o labirinto no Hotel Overlook. Com uma combinação harmonizada entre duas narradoras femininas, o livro não é uma escolha óbvia para adaptar às telonas, parcialmente por seu eu-lírico rotativo. Um dos problemas é como levar essas tramas separadas ao cinema e cuja resolução sofreu várias tentativas por parte do diretor Tate Taylor, incluindo voice-overs e close-ups intimistas, criando uma proximidade quase dermatológica.

Sua iminência principal pertence a Emily Blunt, que interpreta Rachel, o ponto-chave da história. Ela foi casada a Tom (Justin Theroux, tentando ao máximo sorrir), que agora é casado com Anna (Rebecca Ferguson) e com a qual tem um filho. Uma alcoólatra de carteirinha, Rachel bebe como ninguém e chora como uma torneira quebrada. Ela é uma completa bagunça, ou ao menos devemos acreditar nisso através da alternatividade de sua maquiagem, que funciona como um catalisador de emoções unidimensional. Rachel é uma masoquista: todo dia, passa pela frente da casa de Tom e Anna e os observa. Ela também uma fantasista, olhando amorosamente outro casal e sonhando com suas vidas.

Dito de outra forma, Rachel é a espectadora, a voyeur, que espia a vida alheia. Especificamente, ela representa o consumidor de um certo tipo de romance ficcional, no qual mulheres lindas sofrem de forma magnificente; Hollywood costumava se sobressair neste tipo de história, filmes nos quais, digamos, Bette David ou Ingrid Bergman sofriam, suportavam e sofriam mais um pouco antes de atingirem um triunfo tão supremo que chegava a ser catártico. Aqueles tipos de filmes não têm absolutamente nada a ver com a indústria cinematográfica de hoje, em parte porque mulheres e suas histórias não o são. Os soluços e o drama, no entanto, continuam se espalhando, primeiro em soap operas e depois em séries.

Rachel é uma substitua inteligente, especialmente porque ela não parece tão perdida assim. Ela pode beber muito, mas ainda se assemelha muito à brilhante e simpática Blunt. Como quase todo artista em um veículo mainstream que interpreta uma personagem problemática, a atriz – sua persona, filmografia, personalidade e afins – servem para assegurar ao público que não há com o que se preocupar, as coisas vão ficar boas. Seu estrelato é a nossa luz no fim do mundo, uma promessa cintilante que não mudou muito desde os dias de martírio feminino hollywoodiano.

Você precisa de alguém duro na queda para este tipo de trabalho, e Blunt, que oscila do mundo da moda para planícies tomadas pela guerra graciosamente, rouba a cena com ferocidade e convicção constantes – não é à toa que ela se mostra a melhor coisa do filme. A fantasia de Rachel, como supracitado, é Megan (Haley Bennett) e Scott (Luke Evans), um casal que tende a posar “espontaneamente” justo que o trem que a protagonista pega todos os dias conveniente passa perto.

Megan também gosta de ficar em sua sacada, brincando com seu robe. Ou ao menos é assim que Rachel a enxerga. E é assim como nós a enxergamos, uma perspectiva que deve – ou deveria – mudar, divergir e unificar. Como sempre, tudo depende de como se conta a história.

Taylor não apenas faz malabarismos com as várias partes do longa – incluindo uma cronologia fragmentada que entra aqui apenas como um maneirismo vazio -, mas também as joga na tela de forma profusa. (Erin Cressida Wilson escreveu o roteiro.) Quando Megan desaparece, Rachel se transforma numa detetive, habilidade por vezes prejudicada por sua bebedeira e por seu hábito conveniente de desmaiar, o que significa que ela não sabe exatamente o que aconteceu em sua própria vida. Rachel embarca numa encruzilhada de extrema agonia, abuso, infertilidade, traição e devastações do corpo e da mente. Mas ela observa. E ela aprende, inclusive sobre outras mulheres. Essa é a moral da história: a joia atraente e brilhante jogada no lixo.

Assista ao trailer de ‘A Garota no Trem’:

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