Diego Olivares | 13 de outubro de 2017

Crítica | As boas maneiras

Foram poucas as vezes que entrei em um cinema completamente desinformado do filme que assistiria. Foi assim com “As boas maneiras”, novo longa de Marco Dutra e Juliana Rojas. Já admirador de seus trabalhos solos, a minha primeira experiência com um filme dirigido pela dupla foi no mínimo surpreendente. Me deparei com uma fábula essencialmente […]

Foram poucas as vezes que entrei em um cinema completamente desinformado do filme que assistiria. Foi assim com “As boas maneiras”, novo longa de Marco Dutra e Juliana Rojas. Já admirador de seus trabalhos solos, a minha primeira experiência com um filme dirigido pela dupla foi no mínimo surpreendente. Me deparei com uma fábula essencialmente paulistana, que explora os contrastes e as intensidades da maior cidade da América Latina para contar uma história fantástica, sem medo de chocar e que encontra na mistura de diferentes gêneros narrativos espaço para a originalidade.

As Boas Maneiras

A minha exposição da trama será a mais vaga possível, pois minha falta de qualquer informação prévia acrescentou muito à minha experiência (inclusive não recomendo assistir ao trailer que se encontra no final desse texto). O filme acompanha Clara (Isabél Zuaa), uma enfermeira da periferia de São Paulo que é contratada por Ana (Marjorie Estiano) para ser babá de seu filho que está para nascer. No meio tempo, Clara a auxilia na gravidez, o que fortalece a relação entre as mulheres.

Focando exclusivamente na relação entre as moças, a primeira metade do filme é primorosa. Envolto por uma atmosfera sombria, o longa deixa algumas pistas no caminho e vai, aos poucos, revelando seu aspecto fantástico. Os diretores compreendem a proximidade entre a tensão do terror e o alívio do humor e criam cenários que mesclam estas reações distintas causadas ao público de forma bastante criativa.
A química entre Clara e Ana é incontestável. Enquanto a Clara de Isabél Zuaa é muito observadora e encontra no olhar a principal forma de se expressar, A Ana de Marjorie Estiano é desinibida e comunicativa. A personagem de Marjorie vem de uma família rica do interior de Goiás e a incorporação de trejeitos e do sotaque típico da região é extremamente convincente.

Se Ana vem de uma família tradicional do ruralismo brasileiro, Clara é pobre, negra e marginalizada. Este choque social e racial só enriquece o desenvolvimento da relação entre as personagens e acrescenta camadas de relevância para o filme.

Fascinantemente, o longa ainda conta com sequências musicais. As belíssimas composições originais aproximam o filme ainda mais às fábulas e o faz ainda mais emocionante.

Mas “As boas maneiras” é objetivamente dividido em duas partes. A segunda metade passa de um suspense psicológico sobre gravidez para uma história fantasiosa sobre maternidade e amadurecimento. Por mais que faça sentido narrativamente e enriqueça o filme tematicamente, é notável o surgimento de alguns problemas no longa. Depositando muita responsabilidade em atuações infantis, o filme perde em credibilidade, inclusive afetando a antes ótima performance da protagonista. Além disso, o ritmo se torna um pouco arrastado e cansativo, mas que é minimizado pela emocionante conclusão.

Problemas a parte, “As boas maneiras” me surpreendeu demais. Trata-se de um filme corajoso e original. Sem medo de exagerar, Marco Dutra e Juliana Rojas entregam um retrato fantástico e encantador de uma caótica São Paulo.

Obs.: “As boas maneiras” faz parte da programação do Festival do Rio 2017 e ainda não tem data de estreia prevista para os cinemas brasileiros.

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