Diego Olivares | 26 de fevereiro de 2017

Moonlight: Sob a Luz do Luar

“Every nigger is a star” (todo negro é uma estrela) é uma música do Jamaicano Boris Gardiner lançada em 1974. Em 2015, o rapper Kendrick Lamar lançou o aclamado álbum “to pimp a butterfly”, cujo os primeiros versos ouvidos são do sample dessa música, com os mesmos dizeres do título, na música “Wesley’s Theory” que, […]

“Every nigger is a star” (todo negro é uma estrela) é uma música do Jamaicano Boris Gardiner lançada em 1974. Em 2015, o rapper Kendrick Lamar lançou o aclamado álbum “to pimp a butterfly”, cujo os primeiros versos ouvidos são do sample dessa música, com os mesmos dizeres do título, na música “Wesley’s Theory” que, brilhantemente, abre o álbum. Em 2016 estreou nos EUA “Moonlight”, dirigido por Barry Jenkins, que se inicia com Juan (Mahershala Ali) dirigindo e ouvindo a música de Boris Gardiner. Tanto o álbum quanto o filme são obras extremamente autorais que não só desafiam suas respectivas artes, como também se elevam ao se colocarem enquanto potências sociais e representativas.

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2017/02/moonlight1.jpg”]

“Moonlight” é dividido em três atos, cada um contanto a vida do protagonista em fases e idades diferentes. Chiron é um jovem negro, da periferia de Miami, que busca se perceber e se encontrar enquanto individuo diante da dura realidade que enfrenta. No primeiro ato conhecemos Chiron, ou Little (Alex R. Hibbert) como é conhecido, uma criança que convive com a violência dos abusos e ameaças de outras crianças e de sua mãe (Naomie Harris), viciada em crack. Neste ambiente conturbado, Little encontra no traficante Juan uma figura paterna de confiança e compreensão e em Teresa (Janelle Monáe), a namorada do traficante, uma bondade no meio de tanta opressão. Em cada encontro e cada diálogo, a honestidade e o carinho de Juan o tornam alguém importante na vida do garoto.

No segundo ato Chiron (Ashton Sanders) é um adolescente, ainda mais inseguro de si próprio. Quando finalmente encontra um sopro de clareza ao se permitir o afeto e a vulnerabilidade, a vida se mostra dura mais uma vez, colocando-o numa situação que o prende e o distância de si. Até o terceiro ato, onde um adulto Chiron, ou Black (Trevante Rhodes), recebe numa ligação a possiblidade de reencontrar o passado e nele, finalmente, se encontrar.

Se não bastasse a riqueza de seu enredo, “Moonlight” ainda tem na direção de Barry Jenkins uma imponência estética. Com um uso poético de sua iluminação, seus movimentos de câmera e suas cores, principalmente o azul, presente em quase todos os planos e na frieza da fotografia e que ganha um caráter quase sinestésico ao tornar o ambiente ainda mais invasivo para o protagonista e por nos remeter constantemente à Juan, personagem diretamente relacionado com a cor, o filme ganha caráter praticamente vídeo-artístico, distanciando-se, e muito, de um visual tradicional.

Outro aspecto belíssimo da concepção estética do filme é a trilha sonora: composta quase que exclusivamente por músicas clássicas, a trilha ainda conta com a participação de um Caetano Veloso cantando em espanhol. Vale destacar também o uso de músicas diegéticas como a já citada “Every Nigger is a Star” e “Hello Stranger” de Barbara Lewis, numa das cenas mais sensíveis do filme.

Ao dirigir um filme ambientado num cenário em que negros costumam ser representados de forma bastante estereotipada, Barry Jenkins tem a capacidade de desenvolver personagens extremamente complexos e usá-los para contar uma história de amor e de autoconhecimento que é, acima de tudo, humana. O diretor, e também roteirista, ainda possui uma intimidade grande com o projeto. Por mais que seu filme não seja autobiográfico (o roteiro é adaptado de uma peça nunca interpretada), de acordo com depoimentos de Naomie Harris, receosa em encarnar uma visão negativa de uma mulher negra, Barry foi honesto e sensível para convencê-la a atuar: “ Seu papel não é apenas de uma viciada em crack, seu papel é o da minha mãe. ”.

Por falar na Naomie, é necessário enaltecer todas as atuações do filme. A atriz está indicada no Oscar à melhor atriz coadjuvante e Mahershala Ali é o favorito na categoria de melhor ator coadjuvante, porém qualquer outro ator poderia ser indicado, principalmente os que vivem as fases de Chiron. Alex R. Hibbert, que dá vida ao Little, é meu favorito. Com uma performance contida e de poucas falas, Alex transmite, através de um olhar extremamente expressivo, toda o peso de seu personagem.

O Oscar acontece neste domingo e “Moonlight” aparenta ser a única ameaça de “La La Land” na premiação máxima da noite. Por mais que adore o filme de Chazelle, premiar “Moonlight” seria muito mais significativo. Além de toda a importância histórica-social, seria o reconhecimento de uma obra humana, sensível e representativa.