Bruno Martuci | 9 de janeiro de 2017

Moana – Um mar de aventuras (2016)

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2017/01/maxresdefault-2.jpg”] Virtualmente tudo sobre o mais novo conto de fadas da Disney, Moana – Um Mar de Aventuras, é familiar em relação a seus predecessores. O estúdio ainda não consegue arriscar para além dos parâmetros e dos simulacros narrativos que se estabeleceram como marca registrada em 1937, com Branca de Neve e os Sete […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2017/01/maxresdefault-2.jpg”]

Virtualmente tudo sobre o mais novo conto de fadas da Disney, Moana – Um Mar de Aventuras, é familiar em relação a seus predecessores. O estúdio ainda não consegue arriscar para além dos parâmetros e dos simulacros narrativos que se estabeleceram como marca registrada em 1937, com Branca de Neve e os Sete Anões, ao transgredir uma história específica de uma cultura nórdica – e por vezes sangrenta – para um padrão familiar, acessível e infantil. Mais uma vez, há uma jovem mulher saindo do conforto de seu lar e embarcando num mundo perigoso, encontrando seu destino e cantando todas aquelas músicas muito agradáveis sobre o que ela quer e como ela conseguirá.

Todos esses parâmetros são familiares, também, com Enrolados. Assim como Rapunzel nesta animação de 2010, Moana (a novata Auli’i Cravalho) é corajosa e ambiciosa, mas também ingênua e protegida, por causa de seus pais superprotetores e que decidem tomar conta dos compromissos da filha, ditando o que ela deve fazer ou não. Assim como Rapunzel, Moana desafia a família para seguir sua própria jornada. E assim como Rapunzel, Moana procura ajuda de um guardião experiente, que a trata com desprezo até que ela se prove o suficiente para ganhar admiração e respeito. O fato é que o guardião que é um semideus poderoso em vez de um ladrão: ambos Maui (Dwayne Johnson) em Moana e Flynn Rider em Enrolados são esquivos, arrogantes e à beira de um ataque de nervos quando percebem seus próprios limites. E ambos são ofuscados por suas protegidas, que começam com menos intensidade, sofrem leves quedas e uma crise de confiança no ápice da narrativa – tudo culminando em um arco típico da jornada do herói. Naturalmente, em ambos os filmes, temos a companhia animação, uma carga deliciosamente equilibrada de comédia e drama e um momento solene no qual a heroína deve decidir se segue sozinha a viagem ou se retorna para casa de mãos vazias.

Mas a familiaridade de fórmula não importa aqui tanto quanto a execução. Moana faz com que Enrolados pareça um experimento transgressor com a fórmula, visto que acerta em cheio. Todas as viradas procedem como esperado, com um timing excelente permeado com uma paisagem de tirar o fôlego onde cada folha é renderizada profundamente com clareza e verdade. O humor, a contemplação – e até os momentos de fofura – nos deixam muito confortáveis. Esta é uma execução perfeita da fórmula da Disney – e parece que os estúdios vêm tentando fazer isso desde Branca de Neve.
 
Não é nenhuma surpresa que a Disney continua retornando com formas diferentes de contar suas histórias, o que encoraja o público a se relacionar com os personagens, criando laços muito fortes com seus dramas, pesares e conquistas num mundo que está determinado a ver a protagonista falha. A fórmula da heroína não é apenas uma história de exploração padronizada, e sim uma história sobre como a determinação e as boas intenções valem muito mais que experiência e idade. Essa narrativa é particularmente amigável para um público mais jovem, o qual vê suas fantasias criarem vida nas telonas. E além disso, as estâncias idealísticas são satisfatórias o suficiente para os mais velhos, também.

Moana também traz características que a aproximam de filmes como Mulan e Pocahontas: a protagonista heroína não é apenas impulsionada por sua força interior, mas também pelos ensinamentos e tradições de sua cultura. Moana é filha de um chefe polinésio, sendo assim preparada para sucedê-lo e aconselhar o povo, mas ela é tão recipiente de sabedoria quanto sua árbitra. Os diretores John Musker e Ron Clements (A Pequena Sereia, Aladdin, Hércules, A Princesa e o Sapo) construíram uma obra de extensa pesquisa ao redor do design e do erguimento da mitologia própria dos povos do Pacífico Sul. Obviamente há alguns erros no caminho – uma controvérsia sobre o figurino de Maui parecer como uma vestimenta aos moldes do black face e seu corpo representar um estereótipo samoano – e algumas deslizadas no roteiro, como o fato dos animadores deixarem Maui careca, requerendo uma intervenção de especialistas da cultura taitiana. Mas, no geral, Moana é livre de estereótipos vistos em outras produções do estúdios, ou viradas ridículas como os conquistadores europeus deixarem os nativos americanos em paz e voltarem para a Inglaterra no final de Pocahontas. Moana respeita o mundo que evoca – mesmo que seja para deslizar, dado o quão cuidadosamente calculados são os elementos utilizados aqui.

Se o pior a ser dito sobre o longa é que ele talvez seja muito consciente sobre sua mensagem, é devido à sua diversidade. E dentro de todo esse cuidado familiar e cultural, Musker e Clements ainda encontram modos de fazer Moana roubar a cena e torná-lo espontâneo, agradável e lindo. Os movimentos dos personagens são baseados nas danças de guerra tradicionais da Polinésia e da Samoa. Esta animação/comédia é viva e turbulenta, e funciona bem ao estabelecer os personagens. As músicas, construídas pelo músico samoano Opetaia Foa’i, pelo compositor Mark Mancina e pelo compositor/protagonista de Hamilton, Lin-Manuel Miranda, resgatam os instrumentos e os vocais próprios desta cultura, criando uma atmosfera rica e hipnótica. E as melhores delas – o hino egocêntrico e cômico You’re Welcome, cantado por Maui e a ode a David Bowie, Shiny, cantado por Jemaine Clement, o intérprete de um monstro-siri gigante – são simplesmente fantásticas.

Acima de tudo, entretanto, Moana emerge como o ponto final de uma lenta modernização pela qual os estúdios Walt Disney passaram logo depois da era renascentista começar. A Pequena Sereia reviveu a reputação da companhia para animações memoráveis, músicas e estórias, mas A Bela e a Fera começou a trazer antigos contos para a era moderna, dando a suas heroínas personalidade além das músicas “Eu Quero” e garantindo que o interesse romântico não era a maior aspiração de todas. Foi um longo caminho percorrido de autorrealização das princesas da Disney, mas tais arquétipos foram fortalecidos através de obras como Mulan, Lili & Stitch, A Princesa e o Sapo, Enrolados, Zootopia e Frozen.

E agora temos Moana, uma personagem com um arco extremamente construído, um corpo idealizado, sim, mas crível, defeitos sobre os quais ela aprender a ter controle e lutas, internas e externas, físicas e psicológicas, morais e éticas – e uma desenvoltura hábil que a torna admirável até quando falha. Ela não precisa de um par romântico para definir sua história. Maui é envolvente, mas também imortal e inumano, então é um alívio quando ele não começa a dar olhares dúbios para sua companheira. O amor dos dois é fraternal – isso é claro. Moana gira em torno de padrões familiares, refinados até brilharem e apresentados com energia e poder satisfatórios. Mas Musker e Clements também tem o bom senso de escolher a dedo quais tropos farão parte da história.

Em suma, a animação funciona muito bem porque a história foca em encontrar todos os pontos positivos das histórias da Disney e melhorá-los a um ponto quase inegavelmente perfeito.

Assista ao trailer de ‘Moana – Um Mar de Aventuras’:

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