Gisele Santos | 8 de janeiro de 2017

Brasil | São Paulo, Sociedade Anônima

“O homem pode ser bom, mas se não tem dinheiro, não serve”, diz Carlos, o protagonista do drama “São Paulo, Sociedade Anônima”, de 1965. Esta frase, embora curta, pode ser um ponto de partida para compreendermos este competente filme dirigido pelo eterno Luís Sérgio Person. [img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/12/São-Paulo-Sociedade-Anônima.jpg”] Com enquadramentos que ora são claustrofóbicos, ora são […]

“O homem pode ser bom, mas se não tem dinheiro, não serve”, diz Carlos, o protagonista do drama “São Paulo, Sociedade Anônima”, de 1965. Esta frase, embora curta, pode ser um ponto de partida para compreendermos este competente filme dirigido pelo eterno Luís Sérgio Person.

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/12/São-Paulo-Sociedade-Anônima.jpg”]

Com enquadramentos que ora são claustrofóbicos, ora são vastos, a câmera nos mostra uma capital paulista do fim dos anos 50. Com a vinda das indústrias automobilísticas estrangeiras sob o governo Juscelino Kubitchek, há uma euforia desenvolvimentista que supostamente conduziria o Brasil ao futuro. A grande demanda por mão-de-obra acaba empregando diversos jovens interessados em ganhar a vida.

Um desses jovens é o próprio Carlos, vivido pelo então estreante Walmor Chagas. Com um diploma de desenhista industrial, arranja uma vaga na Volkswagen como inspetor de produção. Logo em seguida, aceita um cargo de gerente na fábrica de autopeças de Arturo, um sujeito de índole duvidosa.

Sempre com o sonho de ganhar grana a todo custo, Carlos não se importa se o chefe de seu novo emprego é um grande sonegador de impostos. Não liga de ter que punir os funcionários injustamente em nome do sucesso da fábrica. Afinal, como todo membro da classe média paulistana acredita, a felicidade está no trabalho que paga bem.

Infelizmente, com o desenrolar da trama, percebemos que não é bem assim. Apesar de todo sucesso financeiro, Carlos é infeliz. Seu casamento com Luciana (Eva Wilma) não vai bem e ele se envolve com duas amantes, Ana (Darlene Glória) e Hilda (Ana Esmeralda). Em todos os 107 minutos do filme, temos a impressão de que o protagonista nunca consegue expressar sua angústia. Seu rosto sempre está exausto.

Esta incapacidade de verbalizar os sentimentos, como notou o brilhante crítico Luiz Zanin em sua coluna no Estadão, dialoga com a chamada Trilogia da Incomunicabilidade do cineasta italiano Michelangelo Antonioni. Formada por “A Aventura” (1960), “A Noite” (1961), “O Eclipse” (1962), a tríade é uma constatação da solidão humana.

Como disse o filósofo alemão Arthur Schopenhauer, os jovens são infelizes justamente porque buscam ser felizes. Imaginam um mundo encantado repleto de conquistas e promessas que, provavelmente, nunca irão se realizar. Carlos comprou o sonho burguês sem nunca refletir sobre seu conteúdo falacioso.

Essa visão obscura de um período de crescimento econômico é reforçada pela fotografia em P&B assinada por Ricardo Aronovich. As locações, quase sempre rodeadas pelos nossos queridos e odiados edifícios, também incluem pontos consagrados de São Paulo, como o Viaduto do Chá e a Praça do Patriarca.

Ao meu ver, não seria exagero considerar “São Paulo, Sociedade Anônima” uma obra-prima. Não foi à toa que, em 2015 a película entrou na lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos, segundo a Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine).