Thiago Nolla | 23 de dezembro de 2016

multitela: Other People e o aprendizado de morrer com humor

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/12/other-people-sundance.jpg”] Pessoalmente, acredito que a maior qualidade que um ser humano pode ter é ver humor na maioria das coisas; sem isso, não teríamos como passar pela grande enxurrada de desgraças em meio a alguns respiros de felicidade que chamamos de vida. No entanto, mais importante que isso não é só fazer graça das […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/12/other-people-sundance.jpg”]

Pessoalmente, acredito que a maior qualidade que um ser humano pode ter é ver humor na maioria das coisas; sem isso, não teríamos como passar pela grande enxurrada de desgraças em meio a alguns respiros de felicidade que chamamos de vida. No entanto, mais importante que isso não é só fazer graça das coisas, mas acima de tudo saber rir de si mesmo. No cinema, não seria diferente: filmes que tem uma abordagem agridoce para situações dramáticas ganham pontos adicionais na escala Corleonística (a minha, é claro). E Other People é exatamente assim.

Apesar de o mercado cinematográfico estadunidense abrir espaço para os chamados “independentes”, são poucos que acabam entrando no circuito comercial. Por aqui, Other People foi recentemente adicionado ao catálogo do Netflix depois de passar longe das telonas brasileiras. O longa conta a história de David (Jesse Plemmons, de Fargo e Breaking Bad), um comediante que tenta a carreira em Nova Iorque, mas se vê obrigado a voltar à sua cidade natal para cuidar da mãe Joanne (Molly Shannon, de Saturday Night Live e Divorce) que está com câncer em um estágio avançado. Durante os meses de tratamento, David tem que lidar com a dificuldade de seu pai (Bradley Whitford, nada memorável) em aceitar a homossexualidade do filho, os transtornos de voltar à vida provinciana e reencontrar os amigos e o difícil relacionamento com suas irmãs.

Mesmo sendo daquelas pequenas pérolas cinematográficas que, ao menos por aqui no Brasil, somente descobrimos fora das telonas, Other People tem as características que toda obra de cinemão deveria ter: um roteiro mais que bem amarrado, atuação (pode ser no plural, mas divaguemos sobre isso mais tarde) brilhante e uma direção sutil e mais que certeira. Não surpreendentemente, Other People foi lançado ainda esse ano nos Estados Unidos e arrebatou a crítica e algumas indicações a prêmios – talvez até pelos motivos errados.

Molly Shannon foi aclamada e capitaneada para uma possível indicação aos prêmios de Melhor Atriz Coadjuvante na temporada 2017, o que até o momento não mostrou resultados – mais pelo preconceito de astros de comédia em papeis dramáticos do que, necessariamente, pelo simples motivo de que talvez ela não esteja tão bem assim; todas suas cenas, apesar de bem humanas, deixam a sensação de algo que ainda não atingiu o potencial necessário, alguma coisa como um take intermediário entre o ensaio e o momento ideal.

Independente de qualquer questionamento, o que mais impacta e emociona é como o filme conta uma história que tinha tudo para ser piegas, mas o faz de maneira leve e centrada. Vemos a quimioterapia, as dificuldades, a degradação e destruição que o câncer pode trazer à vida da pessoa doente – além, também, do impacto de todos os envolvidos, que têm que lidar com uma carga psicológica e emocional bem cruel. O roteiro, escrito pelo próprio diretor, é costurado com tanta humanidade que não há como não ter empatia; Joanne é daquelas mulheres quase iluminadas, que mesmo cheia de dificuldades enxerga tudo com clareza e, o mais importante, humor.

Acima de tudo, o mais interessante é que a clássica jornada do herói encontra em Jesse Plemmons um intérprete perfeito, ainda mais em uma lógica ironicamente distorcida na qual o comediante aprende a rir das sandices da vida com a própria mãe – por sua vez, interpretada por uma comediante. Afinal, a maior das ironias está no fato de que nada podemos fazer diante da sandice que chamamos de realidade. É por isso que, com Other People, rimos organicamente: reconhecemos os mesmos dilemas do nosso cotidiano mesmo que as situações não sejam necessariamente as mesmas. Assim, quando rimos de David e com Joanna, damos aquela gargalhada saborosa, que pode muito bem ser acompanhada de uma única e pequena lágrima escorrendo ao final.