Bruno Martuci | 21 de dezembro de 2016

Sully – O Herói do Rio Hudson (2016)

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/12/HanksSullenberger-FTR.jpg”] Sully – O Herói do Rio Hudson acerta em cheio com a adaptação para os cinemas do acontecimento conhecido como Milagre do Hudson (2009), ou seja, o pouso emergencial em água feito por pilotos do voo 1549 da US Airways que, de forma incrível, conseguiu salvar a vida de 155 passageiros e membros […]

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Sully – O Herói do Rio Hudson acerta em cheio com a adaptação para os cinemas do acontecimento conhecido como Milagre do Hudson (2009), ou seja, o pouso emergencial em água feito por pilotos do voo 1549 da US Airways que, de forma incrível, conseguiu salvar a vida de 155 passageiros e membros da tripulação.

Dando vida ao Capitão Chesley “Sully” Sullenberger, o monossilábico e mente-aberta piloto veterano que fez o impossível sob imensa pressão, Tom Hanks mais uma vez no relembra o porquê de continuar sendo uma das melhores personalidades de Hollywood desde James Stewart em A Mulher Faz o Homem (1939). Quem poderia ser melhor para encapsular tais nervos e valores, equilibrar orgulho e profissionalismo, além de fazer o que lhe pedem não importando o custo e não importando as adversidades, mas sem ser um completo irritante?

Hanks nos mostrou muito antes, em longas como Apollo 13, O Resgate do Soldado Ryan, Náufrago, Capitão Phillips e até mesmo como o Xerife Woody em Toy Story, sua versatilidade e sua capacidade do naturalismo em cena. Ele faz isso novamente ao encarnar o tipo de homem que não cede à desistência em águas turbulentas e não se importa em fazer um avião afundar se isso significar o salvamento de vidas inocentes.

Sully também dá uma oportunidade ao diretor Clint Eastwood, em seus 86 anos, para utilizar-se de uma variação imensa de montagens ao estilo western que ele tão bem conhece. Mas em vez da rivalidade de cowboys com revólveres manuais, essa história tem como protagonista um herói real e sua luta contra os avanços corporativos dos burocratas da Banca de Segurança do Transporte Nacional, com seus simuladores de voo, suas análises virtuais e suas preocupações monetárias que ousam questionar a habilidade de Sullenberger de tomar a decisão mais apropriada num cenário caótico como aquele. Afinal, eles prefeririam muito mais que o piloto tivesse desviado a rota para um aeroporto próximo após uma revoada de patos canadenses causar a perda total dos dois motores, antes que o pior acontecesse – uma possibilidade que ele rapidamente constatou impensável com seus quarenta anos de experiência nas costas.

Bem como o personagem principal e a maior parte do público, Eastwood acredita que possuir anos inestimáveis de experiência deve contar para alguma coisa. Nós sentimos sua necessidade de mostrar para olhos céticos e que idolatram franquias de super-heróis como os efeitos especiais também podem ser usados para recriar um evento histórico, e não apenas erguer cenários mirabolantes em CGI para heróis imaginários.
 
Eastwood revelou seu talento de chocar as pessoas em 2010 com seu drama Além da Vida, o qual abriu como uma recriação inefável de uma tsunami destruindo uma cidade asiática. E, bem como antes, o espetáculo emociona, mas com uma história ainda mais digna de ser contada.

Mas Sully é um ótimo drama? Não exatamente, considerando que segundas suposições proporcionam a fonte principal da tensão – tanto por Sully, que é assombrado por pesadelos e sonhos lúcidos no mesmo teor que os ataques terroristas do dia 11 de setembro, com o avião colidindo com arranha-céus em Manhattan, quanto por aqueles cujo principal objetivo é levantar suspeitas sobre suas ações e sua sanidade. Mas isso irá mantê-lo totalmente absorto, uma coisa não tão fácil quando o evento central em questão durou 208 segundos e todos já conhecem o final feliz da trama.

Eastwood não perdeu sua mão para a escolha de elenco, a exemplo de Aaron Eckhart, um ator que sempre considerei difícil de gostar. Ele adiciona uma inestimável pinta de cara sábio, funcionando como o co-piloto Jeffrey Skiles. Sully nunca será a vida em nenhuma festa, mas sua parceria com Skiles, dentro e fora do avião, o torna humano. O companheiro diz ao protagonista que irá levá-lo para Del Frisco, um restaurante famoso do local. “A costela irá fazer você perder os dentes”, ele promete. E quando o aviador sênior diz que prefere porco, Skiles diz “O porco vai fazer você ter uma parada cardíaca”.

Mas essa cena definitivamente não faz tanto sucesso quanto à ligação que Sully compartilha com sua esposa, Lorraine. Eastwood pode ter dado a Laura Linney uma de suas falas mais memoráveis aos moldes de Lady Macbeth em 2003 no longa Sobre Meninos e Lobos. Entretanto, ele não faz favores aqui, utilizando de forma medíocre seus atributos como uma típica, solidária e por vezes emotiva esposa.

O que existe fora do resgate, que levou o total de 24 minutos para ser completado, tende a ser ligeiramente ligado com sedativos. Mesmo antes da infeliz decolagem, os passageiros do voo 1549 parecem ser as pessoas mais legais e mais alto-astral do mundo. Nós seguimos uma mulher em meio a placas indicando perigo, segurando o bebê em seu colo e vendo como ele gosta de “jogar coisas”, e o Sr. Sentado-na-Janela simplesmente ri e diz “eu gosto de pegar coisas”. E três homens que são capazes de garantir lugares no último minuto agem como se eles tivessem ganhado na loteria quando o avião cai – um grande amontoado metálico de ironia.

Visto que Skiles e Sully são forçados a permanecer em Nova York durante a investigação, o tímido e apático protagonista é sufocado por repentinos abraços, beijos e outros atos de adoração de estranhos completos – um contraste brilhante com o sentimento de dúvida que atrapalha sua vida profissional. Ele até liga com seu status de sensação da mídia, comparecendo a dúzias de entrevistas com Katie Couric e David Letterman. Mas até quando um barman se aproxima dele e revela que ele tem uma bebida com seu nome – uma dose de Grey Goose com uma borrifada de água -, Sully nunca deixa esse fervor lhe alcançar.

Esse é, antes de mais nada, um filme de Eastwood, e se ele quer que sua obra seja adornada com tons de jazz incongruentes, é sua prerrogativa. E de novo, alguém ao estilo de John Williams provavelmente não teria vestido alguém como Sully com estes tons melódicos e animados. “Nós fizemos nosso trabalho”, ele diz, de forma plana, assim como o diretor e seu time – que servem o tipo de filme que toca o coração, mas não faz muito mais que isso.

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