Guilherme Barreto | 3 de outubro de 2016

Demônio de Neon

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/10/neondemon28031.jpeg”] O dinamarquês Nicholas Winding Refn é um dos cineastas mais autênticos da atualidade. Dono de uma admirável sofisticação visual e interessado por temas fora do comum, Refn entra para uma turma de diretores do estilo “ame ou odeie”. Se o espectador achou longas como “Bronson”, “Drive” e “Apenas Deus Perdoa” filmes difíceis de […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/10/neondemon28031.jpeg”]

O dinamarquês Nicholas Winding Refn é um dos cineastas mais autênticos da atualidade. Dono de uma admirável sofisticação visual e interessado por temas fora do comum, Refn entra para uma turma de diretores do estilo “ame ou odeie”. Se o espectador achou longas como “Bronson”, “Drive” e “Apenas Deus Perdoa” filmes difíceis de digerir, sinto dizer que “Demônio de Neon” continua mostrando que o cineasta não está muito interessado em fazer longas com temáticas mais convencionais, na verdade, o dinamarquês quer é provocar o público. E isso não é uma crítica, pois o cinema precisa desse tipo de artista que mais provoque do que dê respostas claras.

“Demônio de Neon” tem uma história muito simples, até banal por assim dizer: Jesse (Elle Fanning) é uma menina vinda do interior dos Estados Unidos, cujo sonho é se tornar uma modelo de fama internacional. Como a moça tem uma beleza natural invejável, ela consegue conquistar todos que a rodeiam. E por conta disso irá conhecer o podre de um mundo aonde a única coisa que importa é a artificialidade.

Realmente, a história do longa é fraca. E, sendo assim, o roteiro é de longe o ponto mais fraco do filme. Escrito por Refn, junto com Mary Laws e Polly Stenham o texto contém alguns pontos muito questionáveis: alguns diálogos soam muito forçados; o texto é muito óbvio e ele berra a sua mensagem em que naquele mundo em que Jesse está entrando é um lugar aonde só a beleza exterior vale; tem personagens que não adicionam em nada, como o de Keanu Reeves e de Christina Hendricks, que são apenas coadjuvantes de luxo; e o longa tem um grave problema de conclusão. Pois o filme acaba três vezes e dá para perceber que ele está enrolando para acabar.

Esses problemas de roteiro conseguem ser esquecíveis, por conta do grande destaque de “Demônio de Neon”: o seu visual incrível. Esteticamente, o longa é perfeito. Todos os planos são milimetricamente bem decupados e filmados e por conta isso se torna um longa visualmente hipnotizante. Refn, junto com a diretora de fotografia Natasha Braier e com o diretor de arte Elliot Hotstetter fazem algo incrível: tudo que está em quadro é lindo. O uso das cores, dos objetos de cena, das luzes, a posição dos atores… Tudo é muito bem pensado e maravilhosamente bem composto. Ao mesmo tempo que Refn usa o visual ao seu favor para criar metáforas e simbologia, como o momento em que Jesse está em um desfile pela primeira vez e acaba beijando o seu reflexo, mostrando o narcisismo da personagem. As cores acabam falando muito sobre a própria natureza dos personagens, pois a protagonista está sempre de branco simbolizando a sua inocência. Já sua amiga Ruby (Jena Malone) sempre está com tons de vermelho, que mostra o seu desejo ardente por Jesse. Mesmo sendo um trabalho que pode irritar muita gente por ser estilizado, no fim não me incomodou, me maravilhou. É um longa sobre artificialidade e faz sentido o seu visual ser o mais artificial possível. Nem mesmo a iluminação no hotel vagabundo em que a protagonista mora soa natural, já que a iluminação do hotel é muito bem pensada. É um trabalho que merece atenção.

Já Refn mostra que além do cuidado visual, o diretor pensa muito no cuidado narrativo. Poderiam tirar todas as falas do longa que daria para entender a história, graças ao talento do diretor em narrar a história de maneira muito visual. Se no parágrafo acima destaquei como ele usa a sua mise en scene (o que está em cena) para criar simbologias e metáforas, ele também usa a favor de fazer um básico da história do cinema: contar a história. O dinamarquês mostra de maneira virtuosa como usar o visual ao seu favor em tudo.

Outra fator que deixa o longa mais hipnotizante é a trilha sonora feita por Cliff Martinez. É a terceira parceria entre o compositor e Refn e a grande característica dessa dupla é o uso muito peculiar de sintetizadores. E não é diferente em “Demônio de Neon”, pois voltam os sintetizadores que ajudam o espectador a imergir no longa, junto com o visual.

Quanto ao elenco, o destaque é o trabalho de Elle Fanning. Só destaco a moça por conseguir desenvolver melhor o seu personagem, pois o resto do elenco são apenas objetos de cena para Refn. Não que façam feio, alguns realmente se destacam, como o caso de Jena Malone, mas fica claro que a única personagem em que o diretor quer desenvolver e investigar é Jesse. E Fanning consegue isso ao dar várias dimensões a sua personagem. Por mais que ela seja uma moça muito inocente, durante todo longa ela tem noção da sua beleza e que as outras modelos querem isso a qualquer custo ter isso. E a atriz consegue fazer a mudança do comportamento de Jesse de maneira muito sutil, usando muitas vezes as suas expressões faciais, principalmente o olhar. Percebemos o momento em que Jesse deixa de ser a pobre menina inocente e se torna uma narcisista, completamente apaixonada pela sua beleza.

“Demônio de Neon” irá agradar a todos? Dificilmente, pois é um longa que exige uma imersão e paciência do espectador. Mas vale muito pelo incrível trabalho visual concebido por Nicolas Winding Refn e pela ótima trilha sonora de Cliff Martinez. E é mais um longa para mostrar que Refn é um nome que merece ser acompanhado, pois mesmo que não o espectador não goste do estilo do diretor, não poderá negar que viu algo diferente. E um momento em que se tem pouca autenticidade no cinema, nomes como o de Nicolas Winding Refn merece um interesse.

Assista ao trailer de ‘Demônio Neon’:

[youtube id=”yz7RJOqgkVw”]