Bruno Martuci | 26 de agosto de 2016

Café Society

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/08/oan3ci-b88759575z.120160720174126000gsghpmpm.10.jpg”] “Café Society”, novo filme de Woody Allen, vem embrulhado em camada dupla de nostalgia. Tendo como cenário a década de 1930, mais precisamente em Hollywood, Los Angeles, seu roteiro compulsivamente menciona as estrelas de cinema da época. Joan Blondell! Robert Taylor! Barbara Stanwyck! Cagney e Crawford! Astaire e Rogers! Seus nomes emergem de […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/08/oan3ci-b88759575z.120160720174126000gsghpmpm.10.jpg”]

“Café Society”, novo filme de Woody Allen, vem embrulhado em camada dupla de nostalgia. Tendo como cenário a década de 1930, mais precisamente em Hollywood, Los Angeles, seu roteiro compulsivamente menciona as estrelas de cinema da época. Joan Blondell! Robert Taylor! Barbara Stanwyck! Cagney e Crawford! Astaire e Rogers! Seus nomes emergem de todos os lados, como respostas de uma lista de perguntas que ninguém pensou em perguntar.

Durante a sessão, um colega a algumas fileiras de mim ria a cada nome. Não acho que tenha sido por causa da graça das alusões – a sentença “Adolphe Menjou está ameaçando deixar o filme” não é algo palpavelmente engraçado – mas porque eles significavam uma consciência cultural que o cidadão em questão desejava compartilhar. E talvez porque alguns dos nomes listados faziam parte de piadas que podem não ser compreendidas pelo público contemporâneo e que são fracamente desenvolvidas – até para Allen.

Não há argumento que explique, contudo, revirar os olhos em repulsa para o filme. “Café Society” não é “Radio Days”, ou “A Rosa Púrpura do Cairo”. Podemos viver com isso. Também estou feliz em informar que não é nenhum “Escorpião de Jade” ou “Homem Irracional”, o que me leva a dizer que não é nenhum exemplar intragável do cineasta, nem mostra que ele voltou à forma. É, de forma de geral, uma produção interessante e em partes divertida, com momentos por vezes inspiradores, alguns comentários ácidos aqui e lá, performances consideráveis e ideias nem tão bem trabalhadas.

Como a maioria dos últimos trabalhos de Allen, “Café Society” se passa em um microcosmos hermeticamente enclausurado com as preocupações de seu próprio criador. Em vez de vasculhar por temas ou problemas originais, vê-se que o preferível é rearranjar os antigos em novos padrões, enfatizando alguns elementos deixados de lado em produções anteriores e varrendo outros para debaixo do tapete. Aqui, o conceito dominante é a ambivalência bem documentada da Califórnia e da indústria que tem agido do mesmo modo com ele. Ele adora filmes, mas Hollywood, com sua superficialidade e suas fofocas, sempre o repeliu.

Com a ajuda de seus colaboradores habilidosos – o designer de produção Santo Loquasto e o diretor de fotografia Vittorio Storaro – Allen banha “a colônia dos filmes” com luzes douradas e traja seus habitantes com o vestuário tão instigante da época. A história gira em torno de Bobby Dorfman (Jesse Eisenberg), um garoto de Bronx que decide deixar o lugar onde vive para seguir seu sonho em Hollywood. Ao chegar lá, é recepcionado pelo aparentemente frio e inexpressivo tio Phil (Steve Carell), um agente poderoso. Bobby eventualmente é acolhido pelas asas de seu tio, o qual o leva em várias festas com o intuito de criar laços com pessoas de nome na cidade. Ele, então, se torna intoxicado pelos novos ares.

“Eu nunca misturei champagne com bagels”, Bobby diz, em certo momento. “Bem-vindo a Hollywood”, alguém o responde.

Essa frase não é ruim, e há outros diálogos muito bons que escorrem de um roteiro infelizmente sem ritmo equilibrado. Os pais do protagonista, interpretados por Jeannie Berlin e Ken Stott, fornecem algumas risadas, bem como o toque requisitado do fatalismo metafísico (“Eu aceito a morte, mas sob protesto”, o pai diz. “Protesto contra quem?”, ela responde. Também não são falas ruins). O restante do elenco é vasto, bem como a história, abrindo espaço para a subtrama de Ben, irmão problemático de Bobby que lidera um grupo de gângsteres e a do casal intrigante e cínico de Parker Posey e Paul Schneider.

O eixo no qual tudo se transforma em um triângulo amoroso antiquado inclui, obviamente, a paixão de um homem mais velho por uma mulher mais jovem. Acontece que Bobby e Phil estão apaixonados por Vonnie (Kristen Stewart), uma jovem de Nebraska que trabalha como secretária do agente e serve como guia turístico do novato. Stewart, como vem fazendo há algum tempo, oscila entre a gravidade e a leveza, o glamour e o suburbano, tornando-se uma das melhores coisas do filme, apesar de expor o quão unidimensional e enfadonho o restante do filme é.

A voz de Allen, utilizada na narração, soa incomumente arrastada e lenta. O mesmo se aplica para o roteiro e a direção – a qual se assemelha aos filmes preto-e-branco de Garbo e Stanwick, principalmente no tocante aos longos close-ups. Para cada cena ou virada inteligente, há outras quatro que se mostram “malcozidas”, por assim dizer. Somos tratados do mesmo modo que Bobby trata a clientela em seu clube noturno, no final do segundo ato. Passeamos em clubes de jazz e salas de jantar – e o motivo de estarmos ali fica no ar. Blake Lively, entrando nesse meio tempo em cena como uma segunda Veronica, se sente do mesmo jeito. Para completar, o filme parece muito mais longo que seus 96 minutos.

De vez em quando, ouvimos ou vemos algo que nos deixa desconfortados: um encontro desagradável entre Bobby e uma prostitua logo que ele chega à Los Angeles; uma anedota sobre o interesse sexual de Errol Flynn em garotas menores de idade. É difícil dizer se Allen está testando a tolerância do público ou brincando com nossos sentimentos, ou apenas carregando a história de forma jubilosa, como sempre fez, alheio às mudanças de costumes ou às vicissitudes de sua própria reputação.

Não importa na verdade, porque “Café Society”, em última análise, não demonstra interesse sobre seu criador ou seus personagens. O filme se assemelha ao tipo de produto hollywoodiano ao qual a maior nostalgia é reservada. É um simulacro da pop-culture, uma trivialidade charmosa, um punchline de uma piada esquecida.

Assista ao trailer:

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