Bruno Martuci | 15 de agosto de 2016

Amor E Amizade

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/08/love-and-friendship-2016-004-kate-beckinsale-tom-bennett-in-doorway.jpg”] Que audácia, que elegância! Finalmente temos uma comédia de época autoconsciente e hilária, cuja história foi polida brilhantemente para as telonas. Whit Stillman provavelmente nasceu para dirigir um filme baseado na obra da incrível Jane Austen. Mas ele encontrou um novo jeito de dramatizá-la – ou apenas encontrou uma nova Austen, uma que […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/08/love-and-friendship-2016-004-kate-beckinsale-tom-bennett-in-doorway.jpg”]

Que audácia, que elegância! Finalmente temos uma comédia de época autoconsciente e hilária, cuja história foi polida brilhantemente para as telonas. Whit Stillman provavelmente nasceu para dirigir um filme baseado na obra da incrível Jane Austen. Mas ele encontrou um novo jeito de dramatizá-la – ou apenas encontrou uma nova Austen, uma que parece ter absorvido de forma precoce a sátira e a inoculação do século XXI. Stillman conseguiu canalizar um romance publicado postumamente cedo e chamado “Lady Susan” para as telonas após renomeá-lo e fazendo-o ecoar nos romances mais conhecidos da autora.

O que pode-se esperar: uma obra vigorosa e imprópria, por assim dizer. Naturalmente, tem como pano de fundo um mundo onde o dinheiro é supremamente importante, mas também é uma narrativa na qual as mulheres são permitidas serem mais velhas, mais inteligentes e mais atraentes que os homens. Também há uma jovem mulher falando sobre ganhar a vida tendo um emprego: esse é um cenário de pior caso que não vem a passar, mas até mencioná-lo é interessante. Aqui temos um filme baseado nos escritos de Jane Austen que se assemelha mais a uma peça equilibrada que algo provindo diretamente da orquestra hollywoodiana; revigoram-se os clichês, as brechas, altos e baixos, e prova que você não precisa de zumbis para restaurar o apetite carnívoro e insaciável da escritora. Stillman utiliza intertítulos como um arcadismo visual, um quase filme mudo, principalmente para introduzir os personagens. Com sua graça saudosista, seu contraste entre o urbano e o rural, “Amor e Amizade” pode ser caracterizada como uma peça não encontrada de Oscar Wilde.

Lady Susan é a escandalosa heroína, para a qual Kate Beckinsale consegue dar uma predatória e enigmática performance, trajando vestes pretas praticamente a narrativa toda. Ela é uma viúva de beleza extraordinária e nome bem conhecido, mas sem quaisquer títulos e posses financeiras. Ela é simpática e ao mesmo tempo precisa de dinheiro: uma combinação perigosa. Susan tem uma confidente e manipuladora amiga, Mrs. Johnson (Chloë Sevigny), cujos planos são periodicamente explícitos e conseguem fazer o público mergulhar no arco narrativo da obra.

Susan já conseguira deixar uma causa aristocrata de cabeça para baixo, tendo usufruído de seus charmes, e agora mora com sua cunhada Catherine (Emma Greenwell) e seu obediente marido Charles – uma performance adorável por parte de Justin Edwards. Lá, parece ter alvo o irmão de Catherine, Reginald (Xavier Samuel), para horror dos pais do casal anfitrião – interpretados pelos incríveis James Fleet e Jemma Redgrave. Mas ela tem uma instável filha, Frederica (Morfydd Clark), a qual está tentando casar com o muito rico Sir James Martin.

No exorbitante papel de James, Tom Bennett mostra-se como o escape cômico do filme, com suas falas sarcásticas e sua presença dúbia: o próprio David Brent da Inglaterra Georgiana. Seu discurso inicial, no qual parece desconhecido com a palavra “Churchill”, rouba a cena de forma inefável, bem como o momento em que louva William Cowper por ser capaz de escrever versos e poesias – e a cena do jantar na qual discursa sobre o fato de nunca ter visto ervilhas antes na vida. Ele quase desequilibra a obra, especialmente na sequência obrigatória do baile, mas Stillman o mantém sob controle, deixando uma última piada colossal para o final do terceiro ato. Stillman consegue arrancar risadas consideráveis ao coreografar uma verdadeira quadrilha de absurdos. A resposta de Lady Susan para o “cavalheiro” que tem a audácia de “cortejá-la” no meio da rua é uma obra-prima. Stephen Fry tem uma ótima e contida aparição como Mr. Johnson, a qual desaprova a presença da inconsequente Mrs. Johnson ao informá-la que “a passagem pelo Atlântico é extremamente fria nesta época do ano”.

O filme em si é um compilado muito satisfatório de comicidade, cuja maior contribuição vem de Lady Susan. É uma obra de superficialidades e cinismos, na qual o romance das mais famosas histórias mostra-se ausente: não muito de amor e amizade. O interessante é que, no universo de Austen, o provável herói é o encantador Reginal; ele é o arquétipo idealista que fica revoltado com a ideia de se casar por dinheiro, além de ser mordazmente vulnerável para a manipulação. Seu destino é marcado de modo a ser esperado pelo público. Mas o papel de Lady Susan é difícil de ler. Será que ela tem um coração, afinal de contas?

De qualquer modo, “Amor e Amizade” é um deleite revigorante, seja pelo seu roteiro dinamicamente escrito ou pela maravilhosa química trazida pelo elenco.

Assista ao trailer de ‘Amor e Amizade’:

[youtube id=”8MaSK3POHI0″]