Bruno Martuci | 6 de junho de 2016

Invocação do Mal 2

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/06/CON2-04652r.jpg”] James Wan, a mente por trás de “Jogos Mortais” e “Sobrenatural”, é um diretor cujo talento é inegável, ao menos para filmes de terror. E mesmo que algumas de suas produções estejam fincadas na boa e velha perseguição de gato-e-rato – e que, no caso, envolvam assombrações e presenças demoníacas -, é fácil […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/06/CON2-04652r.jpg”]

James Wan, a mente por trás de “Jogos Mortais” e “Sobrenatural”, é um diretor cujo talento é inegável, ao menos para filmes de terror. E mesmo que algumas de suas produções estejam fincadas na boa e velha perseguição de gato-e-rato – e que, no caso, envolvam assombrações e presenças demoníacas -, é fácil sentir um vislumbre de admiração por suas habilidades. “Invocação do Mal 2” se passa em 1977, sete anos após as aparições fantasmagóricas que colocaram Amityville no mapa como a capital das obsessões paranormais. Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga), os reais investigadores de tais mistérios cuja reputação emergiu após o caso supracitado, estão de volta para a sequência do filme de 2013, e dessa vez estão tentando compreender os lúgubres acontecimentos de uma casa na North London – uma versão inglesa de Amityville, basicamente.

Em “Invocação do Mal 2”, Wan não exatamente recria um espetáculo do terror. Contando a história de Peggy Hodgson (Frances O’Connor), uma mãe solteira afundada nas dívidas, e seus quatro filhos, que estão sendo caçados por um espírito maligno, o diretor opta pelo suspense e pela tensão, combinando esses elementos com alguns sustos que, por mais previsíveis que fossem, ainda nos conseguem fazer pular da cadeira. Em meio a batidas na porta, possessões demoníacas e a figura de um velho desdentado e pálido que insiste em aparecer nos momentos menos oportunos, pode-se até pensar nas cenas de maior peso como mais uma tentativa de remasterizar a tão famosa sequência de “O Exorcista” – o que, 43 anos depois, parece um grande simulacro sem qualquer originalidade narrativa. Adicione as clássicas passagens em que a mobília levita e a voz de uma garota pré-adolescente dá lugar a um som gutural e rouco, e pronto: temos o famoso filme de terror retrô. A princípio, parece que apenas o público disposto a rever o repertório barroco que Wan traz às telonas realmente terá algum aproveitamento.

O enredo principal envolve duas linhas narrativas aparentemente independentes, mas que se unem pela temática sobrenatural. Em uma, o casal Warren está prestes a finalmente entender o que aconteceu em Amityville, cujas consequências perduraram até o tempo presente; em outra, a família Hodgson gradativamente percebe que sua casa está sendo ameaçada por um espírito maligno que se manifesta através de Janet (Madison Wolfe), a filha do meio. Em dado momento, mesmo entre reclamações e avisos feitos por Lorraine de que eles não devem continuar se envolvendo com esses casos, o casal viaja para Londres a pedido da própria Igreja Católica para averiguar que diabos está acontecendo no pequeno sobrado amaldiçoado. Apenas na metade do último ato, percebemos que tanto as visões quanto o espírito que se apossou da casa estão entrelaçados da forma mais macabra possível.

É válido, aqui, ressaltar o grande senso de ritmo trazido pelo longa: Wan possui uma grande noção de público – tanto do ritmo quanto do pulso, de como manipular um momento a ponto de praticamente controlar sua respiração. Sua especialidade aqui está na montagem e nos aparentes plano-sequência, onde, ao estilo de “O Iluminado”, desliza através do soalho puído e do carpete desbotado, transformando o ambiente claustrofóbico em cenários grandiosos; as imagens são tão vivazes que quase vibram aos olhos dos espectadores. Todo esse movimento inquieto sugere uma força fora das câmeras, a qual os próprios cômodos não podem conter. A energia visual de Wan é tamanha, que quartos minúsculos se transformam em abismos colossais.

Assista ao trailer de “Invocação do Mal 2″:

[youtube id=”yISe0qcRI5c”]

O diretor também é um “mago do tempo”, por assim dizer, e em “Invocação do Mal 2”, brinca conosco ao colocar algo rotineiramente estressante – como a sequência em que Billy (Benjamin Haigh) empurra um caminhão de bombeiros de brinquedo para dentro de sua cabana e, depois que já está em seu quarto, olha várias vezes para fora, esperando por algo acontecer. É justamente aí, em meio ao silêncio absoluto, que nossa ansiedade começa a falar mais alto.

Retomando elementos de outras narrativas de terror, o filme encontra espaço para o fetiche demoníaco preferido do diretor, no qual tornou-se um mestre (especialmente em “Sobrenatural”): o rosto. O rosto que nos observa pela janela. Que nos observa na escuridão. O rosto que está vindo para te pegar. Em algum lugar de seu escritório, James Wan deve ter um cartaz que diz “tudo o que você precisa para fazer um filme de terror é um rosto horrivelmente macabro”. No prólogo da narrativa, durante a sessão espírita em Amityville, a alma de Lorraine ergue-se da mesa branca e vaga pelos corredores da casa até ter uma premonição sobre a morte do marido – a qual vem a se repetir durante a estadia na casa dos Hodgson – e, logo depois, se depara com uma freira com olhos afundados em um rosto pálido que se abre numa expressão sangrenta – o qual se parece com Marilyn Manson posando para a capa do álbum mais blasfemo já feito.

Já em Londres, os espíritos se estabeleceram na casa em Enfield, possuindo o corpo da pequena Janet. Em várias sequências, eles arrancam os lençóis das camas das crianças, jogam a mobília de uma parede para outra e, eventualmente, começam a falar através da menina, à la Regan MacNiel. É aí que os Warren entram. E, visto que se passa depois do primeiro caso, a assombração se torna uma grande história especulativa na cidade: o evento é real ou é apenas fingimento? Obviamente, esse não é o elemento de maior suspense no filme.

Patrick Wilson, em sua caracterização digna de Elvis Presley, e Vera Farmiga, em toda sua educada preocupação, parecem interpretar os caça-fantasmas mais agradáveis do mundo, e com uma razão justificável: a arma secreta de “Invocação do Mal” e sua sequência é que eles são filmes de terror evangélicos. Wilson interpreta Ed como um televangelista caseiro, com Lorraine como sua parceira de fé. A grande sacada dos filmes é o quão explicitamente cristãos são os protagonistas, remetendo-nos principalmente a “O Exorcista”, cuja fala mais marcante é “O poder de Cristo te obriga!”. Em “Invocação do Mal 2”, alguns desses momentos caem na obviedade, e é por isso que a caracterização do casal é mais abrandada.

Além disso, vale lembrar que Ed carrega um crucifixo de prata em seu pescoço, com o pretexto de que o objeto sempre o protegeu das maleficências do mundo espiritual. Mas o que o filme sugere, sem em qualquer momento mencionar isso, é que a obsessão dos Warren é movida por sua fé. E tal fato é a principal base das tramas de medo e libertação, as quais se mostram diferentes para cada um dos personagens.

Por um lado, “Invocação do Mal 2” é inferior ao seu predecessor no quesito terror. Mas por outro, consegue arquitetar uma narrativa inquietante que consegue equilibrar a comédia e o suspense, transmitindo ao público uma história arquetípica dos sentimentos inerentes ao ser humano, incluindo a tão polêmica fé; porque, se existem fantasmas e demônios por aí, as idolatradas divindades também devem estar à espreita. O público, como há muito foi provado, vai pagar para ver tanto um quanto outro.