Bruno Martuci | 19 de maio de 2016

A Vingança Está Na Moda

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/05/2014_11_11-The-Dressmaker_0771.jpg”] “A Vingança Está na Moda”, adaptação regiamente insensata do romance homônimo de Rosalie Ham por Jocelyn Moorhouse, constrói-se a partir de conceitos tão frívolos que é até possível chamá-la de destemida: a trama principal gira em torno de Kate Winslet trazendo a coleção de luxo de seu enorme leque de vestidos para o […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/05/2014_11_11-The-Dressmaker_0771.jpg”]

“A Vingança Está na Moda”, adaptação regiamente insensata do romance homônimo de Rosalie Ham por Jocelyn Moorhouse, constrói-se a partir de conceitos tão frívolos que é até possível chamá-la de destemida: a trama principal gira em torno de Kate Winslet trazendo a coleção de luxo de seu enorme leque de vestidos para o interior australiano da década de 1950. O longa-metragem poderia até ser caracterizado por uma loucura transfixante se, digamos, tivesse sido dirigido por Baz Luhrmann (“O Grande Gatsby”). Em vez disso, está destinado a ser uma bugiganga, abarrotada no fundo de uma caixa misteriosa que nos atiça a curiosidade e nos faz investigar e remexer aqui e ali – mas logo se mostra menos interessante que um dia de chuva.

Winslet encarna o papel da misteriosa designer de moda Tilly Dunnage, a qual desce de um ônibus azul nos primeiros minutos de abertura, coloca sua máquina de costura Singer no chão e fita o remanso empoeirado que costumava ser sua cidade natal. Esse é o enclave ficcional de Dungatar, para onde ela retorna após supostamente ter assassinado alguém em sua infância. Há assuntos inacabados que precisam ser resolvidos, uma mãe amnésica (Judy Davis) que precisa ser resgatada novamente para a lucidez e um teimoso jogador de rugby (Liam Hemworsth) que precisa aprender algumas lições. Mas acima de tudo, há vestidos. Dúzias deles. A cada cena, o matagal seco se transforma numa passarela e Tilly sente uma necessidade incontrolável de desfilar em meio à paisagem desértica com um Dior ou um Balenciaga. E obviamente o povo da cidade logo se esquece do possível passado criminoso da protagonista e batem à sua porta, desejando fazer parte do universo da moda.

O modesto feito de carregar consigo o sotaque australiano cai muito bem dentro dos dons de Kate. Agora, deixar o filme assistível está muito além de sua capacidade. Ela passa metade do filme com uma mão plantada na cintura, a outra segurando uma grande piteira à la Cruella de Vil, apontando-a imperiosamente para o céu. Enquanto os atletas locais treinam, ela se metamorfoseia em uma imperatriz escarlate, distraindo-os e fazendo-os trombar uns com os outros. Nós mal piscamos, e lá está ela, em um vestido preto tomara-que-caia, tirando longas luvas e jogando-as no chão em uma releitura da conivente heroína de “Gilda” (1943, Charles Vidor). Claramente, o grande equívoco do filme foi confundir Kate Winslet com Rita Hayworth.

Enquanto isso, parece que todo ator na Austrália está lutando por nada além de sucatas. O elenco nos presenteia com arquétipos e estereótipos – criações ora desconstruídas, ora fadadas a submergir ao clichê de seus próprios objetivos. Temos, por exemplo, Barney (Gyton Grantley), o “idiota” do vilarejo e alívio cômico da trama, Kerry Fox como a matrona mal-intencionada e Sarah Snook como a personagem ignorada e vitimizada que suplica por uma reestruturação de seu corpo – e, consequentemente, de sua personalidade.

Em contraponto, Judy Davis é teoricamente o prêmio de ouro do filme, encarnando a amarga e velha “bruxa” que mora em um casarão no topo da colina, tendo companhia um gambá e vários potes de maquiagem. É a sua própria adaptação performática de “A Senhora da Van”, mas com um roteiro que varia Alan Bennett cuspir seu chá de tanto desgosto. “Quem em sã consciência estaria lá em cima estuprando a Molly Louca?”, Hemsworth retoricamente pergunta, entreouvindo Davis gritar ao ser forçada a entrar numa banheira cheia de insetos mortos.

Apesar das passagens machistas e preconceituosas que mais de uma vez refletem o conservadorismo na sociedade de outrora, “A Vingança Está na Moda” traz seus valores feministas. Tilly, ao ser mandada para um colégio interno depois dos incidentes passados, consegue adentrar no mundo empresarial e torna-se uma estilista de grande sucesso, recusando-se a aceitar calada ordens de um homem. Entretanto, em seu arco controverso, a protagonista se submete aos encantos do supracitado Teddy (Hemsworth) e acaba por se casar com ele.

Hugo Weaving, aludindo indulgentemente aos seus dias de “Priscilla, a Rainha do Deserto”, é o arquétipo de guia espiritual, um coadjuvante gay que trabalha como policial da cidade e que deseja experimentar todas as peças do guarda-roupa de Tilly. Também funcionando como um momentâneo escape cômico, sua performance é capaz de arrancar algumas risadas, mas as piadas, como todas as outras, são tão memoráveis quanto uma gota d’água.

Quanto às subtramas do mistério, da guinada para o melodrama e do caminho tortuoso para provar a inocência da personagem: nenhuma se faz realmente necessária. Até mesmo alguns figurinos se mostram bufantes ou exagerados demais. A premissa pode ter apelo bizarro, mas é difícil não torcer por Winslet em sua vingança através da moda, principalmente quando tudo está caindo aos pedaços.

Assista ao trailer:
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