Bruno Martuci | 2 de maio de 2016

O Caçador e a Rainha de Gelo

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/05/90.jpeg”] Em muitos aspectos, “O Caçador e a Rainha de Gelo”, continuação da franquia “Branca de Neve e o Caçador” do produtor Joe Roth, tornou-se um filme mais acessível e até mais comercial que seu predecessor. E mesmo assim há algo indescritivelmente desmotivador sobre ele. Ridicularizado antes mesmo que alguém percebesse que se configurava […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/05/90.jpeg”]

Em muitos aspectos, “O Caçador e a Rainha de Gelo”, continuação da franquia “Branca de Neve e o Caçador” do produtor Joe Roth, tornou-se um filme mais acessível e até mais comercial que seu predecessor. E mesmo assim há algo indescritivelmente desmotivador sobre ele.

Ridicularizado antes mesmo que alguém percebesse que se configurava como uma sequel-prequel que ninguém realmente pediu, o longa é até divertido – e trabalhado de forma impressionante, enfatizando o minucioso trabalho da figurinista Colleen Atwood. Mas ainda sim se mostra como uma produção resgatada dos confins de um ferro-velho e remendada com sobras enferrujadas, se é que podemos dizer isso de um elenco que inclui Chris Hemsworth, Charlize Theron, Emily Blunt e Jessica Chastain.

Apesar de ser literalmente mais resplandecente que “Branca de Neve”, é notável como os dois filmes, pertencentes à mesma franquia, possuem identidades excludentes. Afinal, o diretor do primeiro longa Rupert Sanders havia sido substituído por Frank Darabont (“The Walking Dead”), mas o crédito na verdade foi para Cedric Nicolas-Troyan após diferenças estilísticas e criativas criarem um clima pesado entre Darabont e a Universal Pictures.

Obviamente, a ausência mais palpável foi da personagem Branca de Neve, interpretada por Kristen Stewart – provavelmente não por causa de seu caso extraconjugal com Sanders, mas sim porque o envolvimento da atriz era dispendioso para esse segmento narrativo. Para tanto, Universal e Roth decidiram resgatar o personagem do Caçador (Hemsworth) para compor a trama principal, utilizando-o como um subterfúgio que mergulhou o filme na polêmica misógina do protagonismo feminino em produções cinematográficas.

Independentemente da forma como adicionaram o personagem masculino, Stewart não se tornou apenas uma perda relevante, mas também irônica: não é parte do apelo de remakes de contos de fada – como o supracitado “Branca de Neve e o Caçador”, “Malévola”, “Caminhos da Floresta”, a série de TV “Once Upon a Time” – subverter os plots originais em tramas feministas ou que ao menos possuam uma linha narrativa centrada em mulheres? E então em 2016, depois de todos os debates sobre a desigualdade salarial, o Teste de Bechdel, a escassez de cineastas e protagonistas femininas na corrente hollywoodiana, o #AskHerMore e muitos outros, não é deprimente que uma das franquias de grande sucesso dos últimos cinco anos que trouxe visibilidade às mulheres tenha ignorado sua protagonista para colocar um homem em seu lugar? É a mesma coisa que a Lionsgate ignorar Katniss depois do primeiro filme para colocar Peeta em seu lugar, pois Jennifer Lawrence “cobra muito por suas atuações”.

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/05/doimhhhgyv6ctjvw1kdw.jpg”]

A ablação de Kristen Stewart não deve ter agradado a todos do time, pelo jeito: de modo a compensar a ausência de Branca de Neve, “O Caçador e a Rainha de Gelo” empresta elementos metanarrativos de “Once Upon a Time” para introduzir um personagem de um conto de fadas completamente diferente: a Rainha de Gelo, a icônica heroína de “Frozen”… Quer dizer, da história homônima de Hans Christian Andersen.

Acontece que Ravenna, a rainha má interpretada por Theron, tinha uma irmã chamada Freya (Blunt), bem como um irmão cuja existência não havia sido mencionada no primeiro filme. Durante o primeiro ato, que precede o primeiro filme, vemos como a gentil Freya adquiriu seus gélidos poderes após seu amante (Robert Wilfort) supostamente incendiar o quarto de sua filha e matá-la.

Tendo desenvolvido habilidades sobrenaturais pós-traumáticas, a “rainha boa”, como é chamada por um narrador superestimado e que se faz mais presente que a maioria dos personagens, constrói uma fortaleza de gelo onde treina crianças sequestradas para que façam parte de um exército de caçadores cuja função é extinguir o amor da face da terra.

Dois de seus de seus recrutas, os escoceses Eric (Hemsworth) e Sara (Chastain), apesar das brutais condições em que vivem, acabam por se apaixonar. O romance é descoberto por Freya, o qual cria uma muralha de gelo entre os dois através da qual Eric vê sua amada ser assassinada por um dos soldados.

Sete anos se passam, indicando-nos que os eventos ocorridos no primeiro filme já encontraram um fim. No momento presente, Branca de Neve, agora casada com William, está perturbada pela influência maligna do espelho mágico de Ravenna. O objeto cai nas mãos de goblins animados (mais parecidos com gorilas) e Eric é mandado para recuperá-lo e destruí-lo. Nion (Nick Frost), um dos anões do longa anterior, o acompanha, juntamente a Gryff (Rob Brydon), seu irmão.

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/05/the_huntsman_winter_s_war_99497.jpg”]

A paridade de gêneros se completa quando Eric encontra alguém de seu passado. À trupe, agora, unem-se Mrs. Bromwyn (Sheridan Smith) e Doreena (Alexandra Roach), duas anãs cujas piadas ácidas funcionam como escape cômico, provendo ao público os melhores momentos da trama inteira.

Elas, ao menos, parecem estar se divertindo em cena, coisa que definitivamente não acontece com os outros pares de atores. Hemsworth e Chastain trazem nenhuma química como casal romântico – ambos parecem derrotados e miseráveis, e nem chegam aos pés dos momentos de vilania desfrutados por Blunt e Theron. E o roteiro, escrito por Evan Spiliotopoulos, não ajuda em absolutamente nada, configurando-se como um amontoado de frases clichês que tentam copiosamente se transformar em bordões de efeito, mas que servem apenas como tapa-buracos de um arco mal desenvolvido e entediante.

Os créditos ficam com Atwood, cujas criações, provindas de muitos trabalhos com Tim Burton e com os inúmeros musicais de Rob Marshall (“Chicago”, “Nine”, “Caminhos da Floresta”), traduzem o mundo mágico em que são ambientados os contos de fada e os arquétipos de cada personagem. Tais figurinos casam perfeitamente com o design místico idealizado por Luca Vannella.

Por fim, quando as armas se abrandam e o CGI corre solto numa destruição em massa, nos vemos frente a frente com o que parece ser uma mistura entre “Battle Royale” e “Ru Paul’s Drag Race”. Mas algo definitivamente deu errado com um filme no qual a audiência se sente mais interessada pelas roupas do que pelos próprios personagens.

Assista ao trailer:

[youtube id=”_W65ndip7MM”]