| 30 de abril de 2016

‘O Futebol’ não é um filme sobre futebol

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/04/unnamed-1.jpg”] Para quem só vê o título, logo imagina que se trata de mais um filme sobre futebol. Ledo engano! O diretor Sérgio Oskman, decidiu realizar uma obra que sim, fala sobre futebol, mas não do jeito convencional que o tema é tratado no cinema. O foco do filme é a relação de pai […]

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Para quem só vê o título, logo imagina que se trata de mais um filme sobre futebol. Ledo engano! O diretor Sérgio Oskman, decidiu realizar uma obra que sim, fala sobre futebol, mas não do jeito convencional que o tema é tratado no cinema.

O foco do filme é a relação de pai e filho. Para isso, ele mesmo atuou com o seu pai. Mas aqui novamente, vale lembrar: não se trata de um filme biográfico, nem documental. A ideia inicial era ser uma ficção, tendo como ponto de partida a história real do próprio diretor com o seu pai, que não se viam há mais de 20 anos, mas quando se falavam por telefone, o futebol era o elo entre os dois. A Copa de 2014, no Brasil, era a oportunidade e tanto para Oskman rever o pai e rodar o projeto.

“O Futebol” está em cartaz desde o dia 21 de abril e, recentemente, foi exibido no Festival É Tudo Verdade. Conversamos com Sérgio Oskman que contou um pouco desta obra de tom autoral, de baixo orçamento e um resultado instigante.

– Sérgio, pelo que pude ler de outras entrevistas suas, a ideia inicial era fazer um filme durante a Copa de 2014 com o seu pai, que você não via há 20 anos. Mas teve um fato marcante que aconteceu durante as gravações. Poderia contar o que aconteceu e como você teve que transformar a ideia inicial do filme?

Sérgio Oskman – Na realidade eu procurei o meu pai em 2013 quando fui ao É Tudo Verdade apresentar um filme anterior. Fazia mais de 20 anos que não tínhamos contato. Conversamos muito sobre o passado, e o futebol aparecia na nossa conversa de forma repetida. Nosso “léxico familiar” estava composto, em grande medida, por nomes de antigos jogadores. Voltei pra Madrid, onde moro há muito tempo, e mantive contato com o meu pai. Telefonava para ele a cada duas semanas. De novo, as conversas inevitavelmente caíam no futebol.

Às vésperas da Copa do Mundo, o Carlos Muguiro (com quem trabalho há muitos anos) e eu tivemos a ideia de fazer um filme sobre um pai e um filho que se encontram para ver a Copa do Mundo juntos. Não havia a intenção de fazer um filme autobiográfico ou “terapêutico”. Não. Seria um filme sobre um pai e um filho que assistem os jogos juntos tentando repetir uma situação que (talvez) tinha acontecido quarenta anos antes, na infância do filho. Havia, claro, a particularidade de que uma das sedes da Copa seria, justamente, a cidade onde se encontrariam e para onde o filho viajaria de longe.

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Tomamos a priori uma série de decisões estritas sobre como rodar o filme: os tipos de planos, a maneira de registrar a cidade, a intenção de que o futebol estivesse em off. Meu pai, desde o começo, foi uma espécie de co-roteirista, decidindo junto o que rodaríamos.

No entanto, esta tentativa de controle total por parte do diretor se topou com a realidade imprevisível, selvagem. Na metade da Copa, o meu pai foi internado em um hospital.

– Podemos dizer que em seu filme, o futebol é um pretexto para abordar uma relação entre pai e filho?

Não queríamos que o futebol fosse uma metáfora ou pretexto de nada. Simplesmente o futebol era, em si, um exemplo de certa metodologia. E isso nos agradava. Um jogo imprevisível com regras perfeitamente definidas: um retângulo verde, uma duração limitada, umas normas estritas, dois times… de alguma forma, o filme que queríamos fazer entre pai e filho.

– Seria mais adequado classificar ‘O Futebol’ como ficção ou documentário?

Desde o começo imaginamos este filme como uma ficção. Quer dizer, como um filme de dois personagens, uma estrutura férrea, uma cronologia clara e principalmente umas regras formais estritas e pré-concebidas. Definimos um método antes de rodar, uma lista de limitações e regras que, independente do que sucedesse, deveriam ser respeitadas pelo filme até o final. No fundo, não queríamos rodar nada excepcional, mas simplesmente capturar a rotina. Quer dizer, capturar um momento entre dois personagens no qual não ocorre nada, enquanto se celebra um grande evento futebolístico. Era uma espécie de “método para capturar o tédio”. O que sucedeu foi que frente a este método, a realidade apareceu com toda sua ferocidade, de forma selvagem, com a morte imprevista do meu pai.

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No fundo, o filme surge da tensão entre o absoluto controle decidido pelo cineasta de antemão e a realidade que sempre se manifesta de forma selvagem e incontrolável. O filme insiste em certas decisões formais (posição de câmera, distância) independentemente de como o acaso se apresenta. E não muda, continua igual. E é então quando algo se rompe: entre a tenacidade do cineasta e a realidade selvagem. O filme é o resultado dessa tensão. Por isso é difícil definir se é uma ficção ou um documentário. Suponho que o rigor prévio corresponde à ficção, e que a vida incontrolável corresponda a um documentário. Mas a divisão não é tão clara. Às vezes parece que é a realidade que quer construir uma história e o rigor tenta desativá-la. E isso é, exatamente, o ponto interessante.

Assista ao trailer:

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