Felipe Curcio | 27 de abril de 2016

cine música: Música para unir personalidades

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2016/04/intouchables-car.jpg”] Talvez o mais interessante em sempre comentar sobre trilhas sonoras aqui nessa coluna é o fato de poder mostrar como outros elementos do filme, que não a atuação ou o roteiro, também contam uma história. No caso de músicas ligadas a personagens, como nas trilhas “leitmotif”, isso é claro. Mas existem também jeitos […]

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Talvez o mais interessante em sempre comentar sobre trilhas sonoras aqui nessa coluna é o fato de poder mostrar como outros elementos do filme, que não a atuação ou o roteiro, também contam uma história. No caso de músicas ligadas a personagens, como nas trilhas “leitmotif”, isso é claro. Mas existem também jeitos mais sutis de se falar sobre cada pessoa que acompanhamos durante o filme, como é o caso de “Intocáveis” (2011), de Olivier Nakache e Éric Toledano.

Sensível, o filme conta a história de amizade (e cumplicidade) entre Philippe (François Cluzet), um milionário com tetraplegia, e Driss (Omar Sy, lindo), o rapaz da perifa que é contratado para ser seu cuidador. Para quem não viu o filme, esse resumo pode parecer que se trata de um dramalhão. E é isso que os toques de piano de “Fly”, de Ludovico Einaldi, que ressoam nos primeiros dois minutos do filme, vão te fazer acreditar. Pois você escuta essa música e pensa: caraca, que filme mais triste que vou ver.

Até que algo acontece: Driss, dirigindo o carro em alta velocidade, é parado por policiais. Toda uma cena tensa se segue. A música é suspensa. Cara, o Phllippe vai morrer, você pensa. Os policiais pedem desculpas. Ao entrar no carro, Driss olha para Philippe e dá um sorriso enorme, depois ri e coloca “September” do Earth, Wind and Fire para tocar. Então o filme começa de verdade. E aí você já entendeu: não vou assistir a um drama comum, não vou assistir a um filme triste.

Philippe contrata Driss pois o rapaz não o trata como um doente, mas como um igual. Só que eles estão longe de ser iguais. E, não, não tem nada a ver o fato de um estar numa cadeira de rodas e outro não. Tem mais a ver com visões diferentes de mundo. Intelectual, Philippe é prudente, comedido, tem gostos mais “classudos”: arte, música erudita e escrever cartas de amor. Driss é mais ousado, agitado, gosta de dançar, cantar alto, fazer piadinhas e de rir. Um acaba aprendendo com o outro, é lógico, e a música nos ajuda a perceber isso.

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No aniversário de Philippe, um conjunto de cordas é convidado a tocar uma série de músicas que o aniversariante adora. Driss acha meio chato, mas acompanha. No final da festa, os convidados do qual Philippe não gosta nem um pouco já não estão mais em casa, resta Driss, os empregados e o tal conjunto de cordas. Philippe chama a “banda”, pede para que ela toque as mais conhecidas músicas eruditas conhecidas: de Vivaldi, Bach e Beethoven para que Driss “sinta a música” (antes, Philippe o leva para a ópera, mas não rola). O que se segue é uma série de piadas do rapaz com as músicas tocadas. Ele as está sentindo de sua forma.

Acabada a sessão-cordas, Driss propõe: “agora vou te mostrar os meus clássicos”. E coloca Earth, Wind and Fire e segue dançando. Philippe estranha e depois sorri ao ver todos dançando, comemorando o seu aniversário. A felicidade de ambos contagia: aí está a amizade para a gente escutar. O relacionamento entre duas pessoas começam quando ambas se escutam nas suas diferenças. São as diferenças, e não as semelhanças, que tornam as amizades ricas.

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Para demonstrar a sintonia da dupla, um pouco depois dessa cena, Philippe leva Driss para voar de paraglider. Descobrimos que, antes de ficar tetraplégico, o homem gostava de esportes radicais. Ele quer mostrar isso a Driss, que acaba voando também, apesar da resistência. Quando ambos se preparam para voar, começamos escutar “Birds flying high, you know how I feel….” na voz de Nina Simone. O que se segue é uma das cenas mais lindas do filme, com “Feeling Good” no fundo.

A música ressoa alto quando vemos um morto de medo e outro em completa paz. Quando, então, ambos ficam em paz, cada um de seu jeito: um em silêncio, outro gritando de emoção. Que maneira mais linda de se juntar o erudito de Philippe e a música black de Driss do que com Nina Simone? Que maneira mais mais bonita de mostrar que um aprendeu com o outro sem se livrarem de suas essências? Cresceram juntos, mas diferentes.