Fernando Campos | 2 de janeiro de 2016

Psicose

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2015/12/3022.jpg”] “We all go a little mad sometimes” (“Todos nós enloquecemos às vezes”) Aproveitando o ensejo pra comemorar o fato de o Cinemark ter inserido Psicose em sua grade dos Clássicos Cinemark (26, 27 e 30 de dezembro), nada mais justo do que falar sobre um dos mais cultuados filmes da história do cinema. […]

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“We all go a little mad sometimes”
(“Todos nós enloquecemos às vezes”)

Aproveitando o ensejo pra comemorar o fato de o Cinemark ter inserido Psicose em sua grade dos Clássicos Cinemark (26, 27 e 30 de dezembro), nada mais justo do que falar sobre um dos mais cultuados filmes da história do cinema. Mas antes de falar sobre o filme dirigido pelo dono da silhueta mais famosa do ramo, Alfred Hitchcock, que fazia figuração nos próprios filmes pra comprar cheeseburger, vamos voltar brevemente pro final da primavera de 1959.

A 28 de julho de 1959, Hitchcock lançava pela MGM seu todo pomposo em Technicolor Intriga Internacional (North by Northwest), filme de perseguição estrelado por Cary Grant. Depois de Ben-Hur, se tornou o projeto de maior orçamento da MGM daquele ano, US$ 3,3 milhões. Quarenta e seis longas-metragens e três temporadas de sucesso na CBS, Alfred Hitchcock Presents, Hitch tentava a todo custo não se repetir.

“Estilo é autoplágio”, disse certa vez à imprensa. “Se eu dirigisse Cinderela, o público iria esperar um cadáver aparecer na carruagem”. Junto com sua equipe, procurava material incansavelmente em jornais e revistas peças, romances, contos e etc. Qual o projeto que reacenderia o entusiasmo do diretor? Psicose, romance de Robert Bloch publicado em 1959. Com críticas mistas, foi enviado para vários estúdios de cinema, sendo considerado, quase que unanimemente, ainda que original, “muito repulsivo para o cinema e bastante chocante até para o leitor mais calejado”. Recusas que, pouco mais tarde, viriam por parte da Paramount.

Bem, basicamente isso. Impossível para o cinema. Fim de papo. Errr. Não. Em abril de 1959, Bloch recebeu uma proposta “anônima” de 7.500 dólares pelos direitos de filmagem. Depois de tentar vender por 10 mil, o agente de Bloch o aconselhou a aceitar a contraproposta de 9 mil. Claro que era um motivo pra se entusiasmar: era a primeira vez que vendia um livro pro cinema. Por termos do contrato, a editora ficou com 15% do total, o agente, com 10%. Bloch ficou com 5 mil dólares, descontados os impostos.

Na mesma época que descobriu que seu contrato com a editora não incluía bônus ou participação de lucros no caso de uma venda pra Hollywood, o escritor recebeu um baque ainda maior que os lucros finais da venda do livro: quem “misteriosamente” comprou os direitos do livro foi ninguém menos que… Alfred Hitchcock que, por sua vez, mandou sua equipe comprar todas as cópias de Psicose das livrarias. Nada e nem ninguém estragaria a surpresa do final.

A questão dos executivos da Paramount era: “o que Hitchcock tem na cabeça?” Por mais que ele tivesse moral lá dentro, era inadmissível esse interesse do Hitch por essa história de uma vida gasta num escritório brega de um motel caindo aos pedaços. Alguém precisava abrir os olhos dele e dizer que aquilo não era viável. Ainda mais depois do todo pomposo Intriga Internacional. Por que “regredir” assim? Mas o genioso diretor se recusou a baixar as orelhas para os executivos da Paramount, afinal, ele tinha reputação e usou-a a seu favor. Até sugeriram em transformar Psicose num episódio duplo para seu programa de TV na CBS, ora vejam só que acinte. Os estúdios se recusaram veementemente a financiar Psicose. “Não se preocupem, eu dou o meu jeito”. E deu mesmo. O próprio financiou o filme sozinho, utilizando os estúdios da Universal pra filmar. Tudo que a Paramount fez foi distribuir o filme.

James Cavanagh foi o responsável pelo primeiro rascunho do roteiro de Psicose, mas devido a deficiências no texto, Hitchcock o dispensou e pagou 7 mil dólares pelo trabalho. Além do mais, o incumbiu de escrever roteiros para seu programa de TV na CBS (sabem como é, pra não ser tão indelicado). Então Joseph Stefano, ex-ator e compositor de música pop, assumiu oficialmente o roteiro. Ele havia recebido boas críticas por A Orquídea Negra, roteiro de um novelão combinando romance e máfia. Alma Reville, esposa de Hitchcock, adorou o trabalho de Stefano. Alma, que viria a tomar as rédeas da produção momentaneamente devido a um resfriado do marido, esteve presente e ativa em toda a produção de Psicose, inclusive nas revisões do roteiro.

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Sobre o elenco. Anthony Perkins, que assinou o contrato mesmo antes de ler o roteiro, teve sua estréia no cinema pelo filme Papai Não Quer (1953), de George Cukor, que dirigiu My Fair Lady, Adorável Pecadora e etc. Diferente do Norman das páginas de Robert Bloch, Perkins era jovem, atraente, alto, magro, de fala mansa e hesitante, com tristeza e resignação estampada no rosto: a escolha perfeita. Janet Leigh foi a escolhida para dar vida (err…não por muito tempo, não é mesmo?) a Marion Crane, conhecida por seus papéis em A Marca da Maldade (Orson Welles, 1958) e O Preço de um Homem (Anthony Mann, 1953). Vera Miles é Lila Crane, irmã de Marion, e John Gavin é Sam Loomis, namorado de Marion. Juntos com Milton Arbogast, interpretado por Martin Balsam, investigam o sumiço da bela moça detentora de 40 mil dólares, o que nos leva, finalmente, ao enredo do filme.

Marion Crane é uma secretária que sabe aproveitar a oportunidade quando bate a sua porta. Ela decide roubar 40 mil dólares do cliente de seu chefe e foge para morar com seu namorado Sam Loomis. Antes de chegar ao seu destino, cai uma chuva fortíssima e ela é obrigada a se hospedar no motel de Norman Bates. Conversando com o simpático e resignado Norman, ela percebe a armadilha na qual se colocou e se diz disposta a tirar os próprios pés da lama. No meio da noite, resolve tomar um banho relaxante.

A água que cai lava seus pecados e purifica sua alma do ato inescrupuloso cometido. E então, de repente, a cortina se abre abruptamente e nossa heroína é misteriosamente esfaqueada. Sim, logo na primeira metade da projeção. Preocupada com o sumiço da irmã, Lila Crane procura Sam, presumindo que ela esteja escondida com ele. Milton Arbogast, detetive particular, é incumbido da tarefa de investigar o sumiço. “Alguém sempre encontra uma garota com 40 mil dólares…”, diz ele.

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Informações se encaixam, mas outras… nem tanto assim. A segunda parte da trama, como todo mundo já sabe, tem como objetivo encontrar essas respostas. A velha na cadeira de balanço, o filho submisso… O que esperar? Falar sobre Psicose não é fácil, qualquer palavra dita transparece aquele medo de soltar alguma informação indevida, colocando todo o marketing a publicidade elaborada de Hitchcock a perder. “Você deve ver Psicose desde o começo ou então não vai ver”.

Funcionários dos cinemas foram instruídos a não deixar ninguém entrar depois do começo da sessão. E assim que o filme acabasse, cortinas vermelhas fechariam a tela por 30 segundos, para o final ficar fixado pra sempre na mente do espectador. Luzes esverdeadas se acenderiam para focar a expressão de cada um ao sair da sala. O trailer oficial do filme não é um trailer convencional: Hitchcock é uma espécie de garoto propaganda que apresenta o Motel Bates e a casa anexada. Ele vai fornecendo as informações elegantemente, tentando explicar “por aqui e por ali” e saindo pela tangente para apresentar outro cômodo. Um jeito diferente e inusitado de divulgação.

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Sobre a trilha sonora de Psicose. Bernard Herrmann é o responsável pelos icônicos violinos rasgantes e macabros mesclados a cellos e baixos. Inicialmente, a cena do chuveiro não teria música alguma, mas Hitchcock foi convencido por Bernie e por Alma do contrário, visto que transmitiu com clareza a aura psicológica da obra. Oito foi o número de vezes que Bernard Herrmann colaborou com Hitchcock, incluindo a trilha de O Terceiro Tiro (Trouble with Harry, 1955), Marnie: Confissoes de uma Ladra (Marnie, 1964) e Os Pássaros (The Birds, 1963), onde ele foi supervisor, já que nem chega a ser uma trilha sonora com instrumentos convencionais, por assim dizer.

Psicose é referência no que diz respeito ao terror psicológico. Hitchcock sempre bebeu da fonte da psicanálise, vide Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958) e Quando fala o Coração (Spellbound, 1945). Aliás, não só abriu portas para o terror psicológico, como também para fobias comuns como: tomar banho. Sim, ele recebeu uma carta de um pai desesperado por causa do medo da filha de tomar banho. Ele respondeu a carta sugerindo que ela tomasse banho a seco. Janet Leigh que o diga: tomou banho de banheira por anos. Três anos depois, com Os Pássaros, Hitchcock alcançou o mesmo efeito na mente do espectador.

O legado de Psicose é imensurável. Com um orçamento de 800 mil dólares, diferente do Intriga Internacional, causou muito mais impacto do que qualquer outro filme de sua autoria, porque é um filme puro e, ao mesmo tempo, denso. Pode parecer barato a muitos olhos, mas é mais do que isso. Afinal, existe algo mais denso que a mente humana e suas vulnerabilidades? Por mais que o psiquiatra da polícia tente “explicar” a história toda no final do filme, está óbvio que o que motiva todas essas ações está além da compreensão humana.

Não é assustador de uma maneira convencional. Usando as palavras de Stephen King, “Traz o mito do lobisomem pra dentro de casa. Não se trata de um mal externo, de predestinação; a desgraça não está escrita nas estrelas, mas em nós mesmos”. A dualidade do ser humano é maravilhosamente trabalhada neste filme. Dostoiévski ficaria orgulhoso. Assim como ficou orgulhoso de Cisne Negro. Ninguém está a salvo de seu lado sombrio.