Eric P Sukys | 6 de outubro de 2015

cine remix: Perdido em Marte, vindo do Brasil

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2015/10/cine-remix-perdido-em-marte.jpg”] Ao se dar conta de que estava sozinho em Marte, sem possibilidade de resgate antes de, no mínimo, oito meses, o astronauta M. se lembrou de seu filme favorito da infância: “Perdido em Marte”, de Ridley Scott. Sentiu certa justiça poética: seu sonho de ir ao espaço havia se cumprido; por que não […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2015/10/cine-remix-perdido-em-marte.jpg”]

Ao se dar conta de que estava sozinho em Marte, sem possibilidade de resgate antes de, no mínimo, oito meses, o astronauta M. se lembrou de seu filme favorito da infância: “Perdido em Marte”, de Ridley Scott. Sentiu certa justiça poética: seu sonho de ir ao espaço havia se cumprido; por que não ocorreria o mesmo com seu pesadelo? Havia, porém, uma diferença em relação ao medo de infância – estava acompanhado de seu pequeno, antigo e aprimorado rádio de pilha.

Era um presente de seu pai, de quando souberam que M. fora aprovado no exame da Nasa. “Para você nunca abandonar o português,” disse o velho, “ele pega em qualquer lugar do mundo.” M. ligou o rádio em Marte, e ficou espantado ao discernir, em meio ao chiado, escondido nos ruídos, misturado à estática, um programa musical. Hits dos anos 2000, anunciou o locutor.

O astronauta deixou a música como som ambiente enquanto preparava um abrigo para a noite marciana. Não conseguiu contatar Houston em nenhuma das dezoito tentativas. Sentindo uma crise de pânico se aproximar, resolveu voltar ao rádio e procurar algo para distraí-lo.

Sintonizando o dial, chegou a uma transmissão de um culto. Gritos, preces, mensagens altissonantes de um sacerdote – M. entendeu o tom, não as palavras. Preferiu trocar de estação.

Escutou então frases, vinhetas e entrevistas. Concentrou-se para distinguir o que dizia a locutora: “Pedrosa, o motorista encontra dificuldade na Marginal Pinheiros, o congestionamento é intenso.” E o repórter: “É verdade, Regina, uma alternativa é pegar o Viaduto Eduardo Cunha para fugir do engarrafamento, seguindo no sentido –”

M. continuou mudando de frequência, pulava de pedaço em pedaço em busca do quê? Nem ele sabia se procurava alívio ou ajuda. Tentou mais uma dúzia de vezes a comunicação com Houston, mas apenas silêncio. Tentou se lembrar do filme de infância, de como Matt Damon se safava daquela situação; nada lhe veio à cabeça. Por um instante, duvidou que Damon encontrava um final feliz, duvidou até que tinha visto mesmo o filme.

Pegou o rádio novamente e pôs-se a girar os botões devagar, o olhar perdido nas dunas de areia vermelha, no céu limpo e nas duas luas bestas, penduradas e exibidas, como se disputassem a atenção dele, única atenção possível. M. deixou sintonizado o programa musical, a retrospectiva das músicas que o levavam à sua infância, à São Paulo seca, bruta e indiferente. São Paulo marciana.

Deve ter dormido, pois de súbito abriu os olhos e não enxergava nada. Quis que fosse um sonho, que um comandante, um colega ou seu pai estivessem ao seu lado, rindo do susto dele ao acordar. Procurou sua lanterna e, ao encontrá-la, se deu conta de que ainda estava em Marte, ainda estava sozinho, ainda estava deitado na areia vermelha, o programa musical ao fundo. “Don’t believe me, just watch”, dizia a música, de cujo nome ou cantor M. não conseguia se lembrar, de jeito nenhum – esquecido que estava num planeta deserto.