Felipe Curcio | 18 de agosto de 2015

cine música: Músicas para embalar adolescentes. E adultos

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2015/08/11.jpg”] Não sei de vocês, mas, às vezes, sinto que minhas referências culturais pararam em 1999. Nada que veio depois disso aparece claro na minha mente, pelo menos não quando tenho que conversar com uma pessoa que nasceu mais ou menos nessa época. De todos os meus maiores pavores, interagir com adolescentes só não […]

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Não sei de vocês, mas, às vezes, sinto que minhas referências culturais pararam em 1999. Nada que veio depois disso aparece claro na minha mente, pelo menos não quando tenho que conversar com uma pessoa que nasceu mais ou menos nessa época.

De todos os meus maiores pavores, interagir com adolescentes só não perde a liderança para “subir alturas absurdas” ou “encarar bichos-peçonhentos-que-rastejam-e-ou-têm-várias-pernas”. Eles têm sua própria língua, seu próprio humor, sua própria moda, suas próprias músicas, seus próprios aplicativos e nada, nada disso parece conversar com os meus.

John Hughes, no entanto, era completamente diferente de mim. Se teve um diretor que sabia lidar com “jovens”, esse cara era o Hughes. Diretor, produtor e roteirista de filmes como “Garota de Rosa Shocking”, ”Gatinhas e Gatões” e, até mesmo, “Esqueceram de Mim”, John foi o grande responsável por se comunicar com os adolescentes dos anos 1980. E dos anos 1990. E dos anos 2000. E dos anos 2010…

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A trilha sonora, logicamente, é um parágrafo particular nos filmes de Hughes. Suas escolhas musicais eram peculiares, iam de canções da época até aquelas meio… anacrônicas. Os exemplos podem ser vistos – e escutados – em dois dos seus principais filmes: “O Clube dos Cinco” (1985) e “Curtindo a vida adoidado” (1986).

O primeiro é recheado de canções dos anos 80, daquelas bem esquecíveis. O foco mesmo está nos cinco personagens: um delinquente, um astro do futebol, uma patricinha, uma esquisitona e um nerd. Juntos em uma detenção de sábado, eles são forçados a conversar e acabam conhecendo uns aos outros. Acabam vendo nos outros reflexos de suas próprias inquietações.

No final do filme, todos eles são “liberados” da detenção, mudados. Os acordes de “Don’t you forget about me”*, do Simple Minds podem ser escutados. Um voice over começa, é John Bender (Judd Nelson), o “criminoso”, narrando a redação que os jovens fizeram, em conjunto. O personagem mais revoltado do grupo anda pelos gramados da escola, livre, coloca os óculos escuros, as roupas meio desconjuntadas, meio cool, ao som da música, quando levanta o braço, numa postura de resistência. Quer um momento mais adolescente que esse?

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Posso te dar! É Ferris Bueller (Matthew Broderick). Ferris é a encarnação de um adolescente típico, ou pelo menos em como o adolescente gostaria de ser se pudesse fazer tudo! Porque é isso que ele faz, tudo… e mais um pouco. E, o pior, a gente torce por ele!

O cara mente para os pais, é completamente cínico, é engraçado, faz pouco dos outros, liga menos de dois segundos para a escola, engana todo mundo, faz com que o melhor amigo roube o carro do pai. E, mesmo assim, você torce por ele! Porque, colegas, ele é demais!

Para animar o seu melhor amigo, o introspectivo Cameron (Alan Ruck), depois de um dia super maluco pela cidade, Ferris decide “cantar” (dublar) em um carro alegórico de uma parada que passava pela rua – porque, sim, ele pode tudo. A música começa com “Danke Schoen”, de Wayne Newton. Cameron e Sloane (Mia Sara) ficam desesperados: eles iriam ser descobertos.

Mas, em algum momento, eles simplesmente começam a se divertir, sob a batuta de Ferris. E é nesse exato momento que começa a tocar “Twist and Shout”, na versão dos Beatles. Um clássico, classiquíssimo que vira uma catarse coletiva. Todos estão animados, a rua canta com Ferris, que parece ter nascido para isso.

Em algum momento, enquanto veem o amigo fazendo sua performance, Cameron e Sloane fazem o diálogo mais chave para o filme. Cameron grita, falando que não sabe o que fará de sua vida. Sloane pergunta: quais são seus interesses? Ele responde: nenhum. E ela ri e grita ao responder: “Eu também”.

E é meio que esse o espírito de ambos os filmes, que é também o espírito da adolescência: essa sensação de que você não sabe bem o que vai ser, mas sabe algo do que você é no momento. Aquela sensação que mistura Beatles e Simple Minds; a epifania que une os dois filmes é um ponto crucial, um ponto que faz com que Hughes seja tão eloquente com os adolescentes: a epifania da autodescoberta.

Nem sempre a autodescoberta traz algo positivo, às vezes é algo mais reflexivo, como a música do Simple Minds, com tom de voz mais grave, uma melodia mais marcante. Em outras, ela é eufórica, cheia de orgulho e um ego enooorme, como o grito de “Twist and Shout”. Por isso, acredito eu, os filmes de Hughes, com suas músicas antigas ou “contemporâneas”, ainda são tão atuais.

*observação sobre essa música: ela foi feita especialmente para “Clube dos Cinco”.