Thiago Nolla | 15 de abril de 2015

made for TV: Grande Demais para Quebrar expõe a hipocrisia do mercado financeiro

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2015/04/toobigtofailhbo.jpg”] Em 2008, dois executivos de bancos de investimento saem de uma limusine em Nova Iorque, em direção a uma reunião, na tentativa de contornar a crise eminente. Um deles diz ao outro: ”Eu não aguento mais um dia disso”. De imediato, seu parceiro engravatado responde: “Não fale como se você estivesse em uma […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2015/04/toobigtofailhbo.jpg”]

Em 2008, dois executivos de bancos de investimento saem de uma limusine em Nova Iorque, em direção a uma reunião, na tentativa de contornar a crise eminente. Um deles diz ao outro: ”Eu não aguento mais um dia disso”. De imediato, seu parceiro engravatado responde: “Não fale como se você estivesse em uma praia da Normandia”.

Esse tom de ironia misturado com choque de realidade define muito bem a densa mise-en-scène do olhar realista e pessimista do filme Grande Demais para Quebrar, produção de 2008 da HBO. Enxergamos tudo do ponto de vista de Henry Paulson (William Hurt), secretário do Tesouro dos Estados Unidos durante o período; sempre pelo prisma moral de Paulson, vemos os acontecimentos que antecederam a quebra das bolsas estadunidenses em 2008 – desde o começo da desvalorização de Lehman Brothers até o auxilio oferecido pelo Tesouro Americano para todos os bancos, quando já estavam generalizadamente afetados pela descoberta de que os chamados “títulos podres” do mercado imobiliário já tinham contaminado por completo o mercado bancário americano.

O roteiro de Peter Gould – ninguém menos que um dos criadores e principais roteiristas de Breaking Bad e Better Call Saul, meus amigos – é maduro o suficiente para demonstrar a venalidade dos grandes executivos, sempre querendo obter lucro de qualquer negociação. No entanto, o script nunca demoniza esses personagens, colocando-os sempre como marionetes de um sistema maior.

Outro trunfo de Gould está na cena em que os assessores de Paulson explicam o que ocorreu e gerou a crise para a assistente de imprensa Michele Davis (Cynthia Nixon); é uma maneira de Gould mostrar o quão possível é compreender o que ocorreu. Ainda, no prologo, Gould usa noticiários para construir bem sua premissa, relembrando da desregulamentação do mercado financeiro que caracterizou o governo do presidente Bill Clinton.

Nem um pouco desse realismo seria possível sem a direção elegante e inteligente de Curtis Hanson (Oscar pelo roteiro adaptado de Los Angeles – Cidade Proibida), que escolheu enquadramentos sóbrios e cortes secos – deixando os atores trabalharem mais soltos. Hurt está soberbo, oscilando em momentos de aparente rigidez com picos de expressividade – prova de um equilíbrio e sensatez para compor um personagem antipático, mas moralmente reconhecível.

Vale ressaltar que Paul Giamatti, como o presidente do Federal Reserve, tem poucas aparições – mas domina completamente a tela em pequenos momentos, com olhares expressivos e pausas brilhantes. Sua cena na reunião com o Congresso, elucidando o trágico cenário econômico da época via paralelos com a Grande Depressão, é nada menos que impressionante. Para completar, Warren Buffet faz participações ótimas como ele mesmo, em cenas que soam como déjà vu, por trazerem à tona que ele era basicamente o único investidor responsável na época.

Por tudo isso, Grande Demais é um ótimo retrato da grande hipocrisia corporativa, e de como há descaso do mercado financeiro com reais e sólidas consequências. O filme mostra, de maneira inteligente, as tentativas e equívocos do governo estadunidense durante o ocorrido – lidando com egos e vontades de grandes líderes que só pensam em si mesmos, mesmo vendo suas empresas afundarem após conscientes vendas de derivativos e títulos podres.

Incluir, de maneira explicita, o momento em que o Tesouro Americano opta por injetar dinheiro via compra de ativos dos bancos envolvidos exalta ainda mais a situação frágil dos Estados Unidos e suas filosofias hipócritas, com instituições que brincam de autonomia e liberdade e, mesmo com problemas reais, não mudam o necessário nem quando recebem um auxilio tipo resgate. Para eles, o que importa é sempre sair vencedor de qualquer situação – mesmo quando, conscientemente, milhões de pessoas já saíram perdendo.