Andre Pacheco | 5 de março de 2015

cine brasil: ‘Riocorrente’ reflete o nosso inferno urbano!

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2015/03/RIOCORRENTE-Offical-Poster-Banner-PROMO-PHOTOS-12DEZEMBRO2013-19.jpg”] Riocorrente (2013) do diretor Paulo Sacramento é um filme ríspido, que se baseia numa São Paulo em estado bruto e que poderia ser qualquer outra grande metrópole do Brasil ou do mundo. A trama é simples, mesmo com difícil percepção. A história é centrada num triangulo amoroso formado por um jornalista chamado Marcelo […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2015/03/RIOCORRENTE-Offical-Poster-Banner-PROMO-PHOTOS-12DEZEMBRO2013-19.jpg”]

Riocorrente (2013) do diretor Paulo Sacramento é um filme ríspido, que se baseia numa São Paulo em estado bruto e que poderia ser qualquer outra grande metrópole do Brasil ou do mundo.

A trama é simples, mesmo com difícil percepção. A história é centrada num triangulo amoroso formado por um jornalista chamado Marcelo (Roberto Audio), um mecânico de motos chamado Carlos (Lee Taylor) e uma “bon vivant” chamada Renata (Simone Iliescu). Ainda há um quarto personagem chamado Exu (Vinicius dos Anjos), um menino de rua que Marcelo insiste em “criar”.

No Festival de Brasília em 2013, “Riocorrente” ganhou apenas os prêmios de fotografia e montagem. Tanto fotografia, com Aloysio Raulino, quanto montagem, com Idê Lacreta junto do diretor Paulo Sacramento, são trabalhos técnicos magníficos, muito acima de grandes filmes, por exemplo, concorrentes ao Oscar 2015 na categoria “Melhor Filme”. Entretanto, apenas duas qualidades técnicas pouco ditam o quanto essa obra é importante. Ou melhor, raivosa!

O diretor Paulo Sacramento, em entrevista ao jornalista Roberto Sandovski no site UOL em julho de 2014, disse: “quero que as pessoas tenham raiva do filme”! Assistir “Riocorrente” possibilita muita raiva, excessiva pressão emocional e demasiado medo também.
A trama calcada num triangulo amoroso apenas serve de “pretexto” para expor personagens comuns de uma cidade como São Paulo em seus extremos existenciais. E o filme de Sacramento é uma grande extensora de raiva e prelúdio explosivo de um emaranhado de signos em forma de metáforas.

O belíssimo som que “Riocorrente” apresenta com sua trilha (créditos a Thiago Bittencourt, Ricardo Reis, Paulo Beto e Armando Torres Jr.), a fotografia expansiva e “concreta” (créditos ao já mencionado Aloysio Raulino), os efeitos visuais (créditos a Victor Zero/Lobo) em bela e elegante sincronia com o roteiro transmitem os sentimentos dos personagens numa produção requintada (créditos a Clarissa Knoll, Pablo Torrecillas e ao próprio diretor).

O próprio personagem Exu, talvez uma elipse no andamento estético do roteiro e da montagem do filme, causa em incômodo incrível. Sua persona expande o caos enquanto “uma criança dentro da selva de pedra”. “Selva” essa cunhada como São Paulo, metrópole pulsante e em ebulição. Uma cidade em estado bruto refletida em seus moradores, em suas ruas, em sua gente…

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Os personagens de “Riocorrente” são tão reais ao ponto de demonstrarem suas dores e suas covardias em excesso. O caos urbano se reflete nesses personagens e são eles que expandem um efeito catalisador que consome o cotidiano do ser metropolitano a cargo de efeitos visuais como o fogo, grande signo de raiva.

Talvez o signo mais importante seja mesmo o próprio personagem Exu. Sua vida de rua impulsiona a raiva onde os três outros personagens apenas “tentam se iluminar”. Já Exu proclama a vida sem modéstia e contraria a dor dos outros três com sua “violenta simplicidade urbana”.

“Riocorrente” proclama uma atualidade estética fluente ou uma ruptura? Uma resposta a essa pergunta possibilita muitas nuances. Entretanto, é cabível que essas duas possibilidades entrem numa união “artístico-filosófica”. O impressionante cartaz do filme (podendo ser usado como resposta à pergunta!), mostrando o rio Pinheiros em chamas, é uma das melhores e mais impactantes imagens que o cinema nacional oferece em sua história recente. Uma catálise estética que beira o antológico. Grande crítica sensível à vida moderna nas metrópoles.

Algumas críticas da imprensa relacionam o filme com o grande “O Som Ao Redor” (2012) do diretor Kleber Mendonça Filho. Um paralelo entre “crítica urbana” é possível de se perceber, porém são filmes com estéticas diferentes. “O Som Ao Redor” está mais centrado no social, enquanto desgraça urbana. Já “Riocorrente” pulsa uma relação com o aspecto físico da cidade como propulsora de conflitos existenciais. As duas obras se unem, muitas vezes. Contudo, são diferentes.

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“Riocorrente” fica como marco inicial de um cinema “físico”. As emoções e a prisão existencial causada pela vida na metrópole explodem vidas vazias generalizadas em atitudes inócuas. E o sexo se apresenta como outro signo representando a falta de amor e ternura em imagens sempre rápidas, enérgicas e com pouco ou nenhum sentido amoroso, grande reflexo de uma cidade como São Paulo!

Se o grande cinema nacional estava recentemente fincado principalmente em filmes advindos de Pernambuco, São Paulo apresenta um caminho primoroso. Paulo Sacramento pratica um cinema não gratuito, com personagens abertos e pouco conclusivos. Reluz em “Riocorrente” uma interpretação visual repleta de signos como ratos, leões e cachorros expondo um vício mecânico que o cotidiano produz na vida mundana e urbana. Uma asfixia em vida, um imobilismo pautado pelo sexo e pelo prazer pessoal.

O “Riocorrente” que passa em nossa vida é puro fogo incandescente que reflete nossa vida pouca, onde temos apenas o ego, a discórdia e o desprazer em benefício próprio. “Riocorrente” é muito mais do que uma obra-prima cinematográfica, “Riocorrente” somos nós em estado bruto!