Felipe Curcio | 3 de março de 2015

cine música: Bateria nota 10

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2015/03/bateria-1.jpg”] O que o Carnaval e o Oscar têm em comum? Bem, muito. Em alguns anos, até mesmo as datas coincidem. Em 2015, além da alegoria vestida por Lady Gaga, os adereços de pérola de Lupita Nyong’o, a comissão de frente de Neil Patrick Harris (meio zoada, mas ok) e o enredo dos discursos […]

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O que o Carnaval e o Oscar têm em comum? Bem, muito. Em alguns anos, até mesmo as datas coincidem. Em 2015, além da alegoria vestida por Lady Gaga, os adereços de pérola de Lupita Nyong’o, a comissão de frente de Neil Patrick Harris (meio zoada, mas ok) e o enredo dos discursos maravilhosos (Patricia Arquette, filha, te amo), tivemos a bateria de dois dos indicados ao principal prêmio da noite.

Um deles foi o ganhador da estatueta de “Melhor Filme”. Dirigido por Alejandro Iñárritu, “Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância)” é todo movido aos sons de bateria. OK, quase todo. Antes mesmo de qualquer cena aparecer, você já percebe que não se trata de um filme comum: os sons de bateria, tocada por Antonio Sánchez (um músico que já ganhou Grammys e tudo o mais), aparecem para te fazer sentir… estranho. Os compassos são fortes, há muito prato, parece que algo importante ou muito maluco irá acontecer. E, pensando bem, o filme é uma mistura disso (mais maluco que importante, falando a real… #prontofalei).

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E o que parece ser só uma música “de começo” de filme te acompanha durante as cenas. Junto do tipo de filmagem/edição escolhida por Iñárritu, que imita um grande plano sequência com mais agitação do que o normal, a bateria tem um efeito forte no espectador durante o filme. É como se você tivesse enlouquecendo junto com Riggan Thomson (Michael Keaton). Os sons que parecem descompassados acabam te acompanhando quando o filme acaba.

Acima do aspecto “estético”, a bateria em “Birdman” tem um fator narrativo. Por mais estranho que pareça, são os sons frenéticos dos pratos que te puxam para a realidade de Thomson. E logo explico. No filme, Thomson é um ator meio decadente que quer voltar ao sucesso depois de ter estrelado, nos anos 90, uma saga de super-herói, o tal do Birdman. O que observamos nessa história, na verdade, é uma briga entre o Birdman (que simboliza a fama e o estrelato) e Riggan (ou o “homem verdadeiro”). Há momentos que você não sabe quem é quem, ou melhor, você sabe porque a trilha te dá essa dica. Se toca música clássica, é o Birdman falando e agindo; se toca bateria, é Riggan.

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Tal ligação tão enraizada com a narrativa é o ponto de intersecção entre a trilha sonora de “Birdman” e do outro indicado ao Oscar de Melhor Filme: “Whiplash”. Com direção de Damien Chazelle, o filme nos conta a história de Andrew Neiman (Miles Teller), um rapaz que sonha em ser o melhor baterista de jazz do mundo, um Buddy Rich contemporâneo. Como é aluno de uma escola de música, voltada para o jazz, ele encontra na sua jornada o professor Terence Fletcher (J.K. Simmons, que até ganhou Oscar por esse papel!).

Nem preciso dizer que a bateria é um ponto crucial nesse filme, não é? Em todos os momentos, escutamos o som do instrumento tocado por Neiman. Ora no lugar das músicas escutadas pelo garoto, ora pelas melodias tocadas por ele próprio – só os “melhores” do jazz.
No lugar de ser um Senhor Miyagi ou Yoda, que são disciplinados, mas têm um fundo doce, Fletcher está mais para um Pai Mei, só que mais cruel. As suas táticas para “tirar o melhor” de cada músico da banda, principalmente para tirar o melhor de Neiman, são militares e beiram a desumanidade. Ele é ríspido, violento e tem um ouvido musical como nenhum outro.

A personalidade explosiva porém excepcionalmente musical de Fletcher desperta uma obstinação que beira o doentio em Neiman. E tudo isso é permeado pelos sons da bateria. Existem duas cenas cruciais do filme, uma no meio e outra ao final (como são cenas extremamente importantes no filme, não as analisarei por motivos de NOT SPOILER AREA), onde os compassos da bateria servem como uma válvula de escape para a tensão enorme entre Neiman e Fletcher. Em “Whiplash”, a bateria não só molda a trama, mas dá o tom de todos os personagens principais. Ela é a culpada dos conflitos entre ambos e é ela que, incrivelmente, os absolve.

Tanto em “Birdman”, quanto em “Whiplash”, os sons da bateria também servem para dar a cadência da edição, tal qual uma bateria de escola de samba. E, ainda como uma escola de samba, enquanto esses filmes “tocam” não tem como ficar passivo, nem parado.