Felipe Curcio | 19 de janeiro de 2015

Leviatã

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2015/01/leviathan.jpg”] Na mitologia, o Leviatã é um monstro de enormes proporções, com muitos braços e um aspecto infernal. Na filosofia-política, o Leviatã é o Estado soberano que concentra em si uma série de direitos para o controle da sociedade. No cinema, o “Leviatã” (2014), de Andrey Zvyagintsev, é um pouco de cada. O representante […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2015/01/leviathan.jpg”]

Na mitologia, o Leviatã é um monstro de enormes proporções, com muitos braços e um aspecto infernal. Na filosofia-política, o Leviatã é o Estado soberano que concentra em si uma série de direitos para o controle da sociedade. No cinema, o “Leviatã” (2014), de Andrey Zvyagintsev, é um pouco de cada.

O representante da Rússia ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (e ganhador do Globo de Ouro deste ano nessa mesma categoria) acompanha a batalha do mecânico-faz-tudo-vodkamaníaco Kolia (Alexei Serebriakov) contra o prefeito da sua cidade, localizada no noroeste russo, Vadim Chelevyat (Roman Madianov). Kolia vive em uma casa na costa da cidade, de frente para o mar e Vadim – uma caricatura de Boris Yeltsin e Vladimir Putin, por razões inexplicáveis (que até são explicadas até o final do filme), quer a propriedade para ele.

Na tentativa de manter a sua casa, local onde sua família mora desde que a Rússia era um império czarista, ele chama um antigo amigo, o agora advogado Dimitri (Vladimir Vdovitchenkov). Vindo de Moscou, Dimitri tenta lidar com os problemas de maneira racional e, dentro de certas proporções, ética. Porém, numa Rússia regada a vodka, violência e autoritarismo, não é, exatamente, esse o andar da carruagem.

Do ponto de vista estético, Leviatã não alivia para os espectadores: tem um aspecto sombrio, com predileção para cenas mais escuras, com pouco sol e muitas paisagens ásperas (mar escuro, pedras, montanha, frio, frio, frio); do ponto de vista temático, bem, ele também não é dos mais leves, porque, como vocês sabem, a vida na Rússia não é fácil. Sim, colegas, Leviatã é mesmo um filme político, mesmo quando descamba para os dramas pessoais de Kolia com sua esposa Lilya (Elena Liadova) e seu filho Roma (Sergei Pokhodaev).

Num primeiro momento, a película mostra uma faceta cruel da vida política russa sob o comando de Vladimir Putin, figura que, inclusive, aparece em alguns retratos no filme. O que se vê em “Leviatã” é um Estado profundamente corrupto, violento, movido por vinganças pessoais de políticos extremamente medíocres e despreparados.
Numa segunda leitura, um pouco mais profunda, “Leviatã” não é só uma crítica ao governo russo, mas às instituições (inclusive as religiosas) que se valem de todos os tipos de instrumentos – legais e ilegais – para se manter no poder, à revelia da população para quem eles servem. Assunto que, vamos combinar, não é monopólio dos russos.

Quando o Estado é totalmente soberano – um Leviatã – ele controla não só os direitos, mas o destino de todas as pessoas. Talvez seja por isso que os personagens e a trilha sonora deste filme aparentem tanto desespero. E quando uma pessoa se vê ante um monstro enorme, um Leviatã – como o prefeito Vadim, que têm “braços” na polícia, na justiça e na igreja – é bem difícil que a batalha seja minimamente justa.