Gisele Santos | 14 de dezembro de 2014

Mundo Zumbi | A noite que Jamais Terminou

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/10/A-Noite-dos-Mortos-Vivos-1968-2.jpg”] “Eles vão te pegar, Barbara!”, diz o personagem Johnny em tom jocoso para a irmã, durante uma visita a um cemitério no coração dos Estados Unidos. Os irmãos vieram para o local a fim de visitar o túmulo da mãe deles. No horizonte, uma figura aparentemente humanóide vem se aproximando. Johnny continua a […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/10/A-Noite-dos-Mortos-Vivos-1968-2.jpg”]

“Eles vão te pegar, Barbara!”, diz o personagem Johnny em tom jocoso para a irmã, durante uma visita a um cemitério no coração dos Estados Unidos. Os irmãos vieram para o local a fim de visitar o túmulo da mãe deles. No horizonte, uma figura aparentemente humanóide vem se aproximando. Johnny continua a brincadeira: “Olha, eles estão chegando, Barbara!”. Era para ser apenas uma piada com a irmã. Mas de repente, a Figura misteriosa revela-se um morto-vivo com rosto decrépito e ataca Johnny ferozmente. Bárbara entra em desespero frenético. Em pouco tempo, a moça descobre que está em uma área rural infestada por monstros devoradores de carne humana.

Essa é uma das cenas que abre “A Noite Dos Mortos-Vivos”, lançado em 2 de outubro de 1968. Realizado com baixíssimo orçamento e sem enormes pretensões de sucesso comercial, a obra acabou revelando-se um soco no estômago da sociedade norte-americana. Ela redefiniu o gênero zumbi e o popularizou com uma força raramente vista até então, levando a revista “Reader’s Digest” (Seleções, aqui no Brasil) a alertar que o longa-metragem subversivo poderia inspirar pessoas a praticarem canibalismo.

Até então, a maioria das películas do gênero retratavam o zumbi com base na concepção da religião africana Vodu: uma pessoa hipnotizada ou em transe que muitas vezes só amedrontava suas vítimas, ceifando vidas em poucos casos. Na mente de George Romero, o diretor de “A Noite”, mortos retornando à vida para devorar suas famílias e seus vizinhos seria muito mais aterrorizante.

Para ser mais exato, ele pessoalmente nem cogitou o termo específico “zumbi”. Foram os colegas e a própria mídia que passaram a chamá-lo de “Pai dos zumbis” ou “Padrinho dos Zumbis”. Romero não tinha pensado muito bem na identidade de suas criaturas. Mas sim no símbolo que representavam. A violência gratuita de sua obra-prima tinha um propósito: fazer uma sátira social e política dos Estados Unidos em plena Guerra do Vietnã. Esculpir monstros que desgraçadamente se alimentavam da própria espécie sem um grande motivo para isso.

Segundo o jornalista e escritor norte-americano Jamie Russel, autor do livro “Zumbis: O livro dos mortos”, Romero mergulhou seu público no coração negro dos EUA. Enquanto a guerra do Vietnã saia do controle e os sonhadores idealistas da contracultura Hippie aos poucos se desiludiam, a distopia niilista parecia um choque de realidade para todos.

O rompimento dos laços sociais, a ideia apocalíptica de que seus entes queridos podem tornar-se cadáveres ambulantes traduz uma desconfiança e um ceticismo generalizados com os rumos tomados pela Humanidade. Isso fica claro também com o desenrolar da trama, quando Barbara fica presa com outras pessoas em uma casa de campo, e os membros do grupo têm uma enorme dificuldade e resistência em cooperar mutuamente para tentar sobreviver.

O cineasta preferiu filmar a obra em preto e branco, porque achava que ressaltaria o tom sombrio e fúnebre que ele pretendia passar. A decisão também acabou resolvendo a questão de exibir um sangue verossímil nas telonas. Uma boa dose de calda de chocolate pastosa deu conta do recado.

Apesar de ser muito criticado pelas cenas fortes na época, “A Noite dos Mortos-Vivos” acabou sendo sucesso de público e ficou em cartaz ainda por muito tempo nos diversos “Drive-ins”, cineclubes e sessões da madrugada. Infelizmente, Romero e sua equipe não puderam embolsar grande parte dos lucros do longa. Como eram recém-formados na Faculdade de Cinema e imaturos, esqueceram de registrar o filme em copyright, e “A Noite” acabou entrando em domínio público. De qualquer forma, influenciou centenas de artistas e escreveu um novo episódio da Cultura Pop. Definitivamente, uma noite que jamais terminou, pois convivemos até hoje com o seu legado.