cine remix: Rascunhos de Almodóvar para “As Panteras”
[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/10/As-Panteras-1.png”] Quando o office boy chega, a porta do auditório está fechada; mesmo assim, o rapaz consegue ouvir as vozes lá dentro. Ele se mantém afastado, pois leu num papel pendurado na maçaneta: “Ensayo – No Molestar”. Sotaques da Espanha, do México, da Argentina se misturam a palmas e discussões em voz alta. Pedro […]
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Quando o office boy chega, a porta do auditório está fechada; mesmo assim, o rapaz consegue ouvir as vozes lá dentro. Ele se mantém afastado, pois leu num papel pendurado na maçaneta: “Ensayo – No Molestar”. Sotaques da Espanha, do México, da Argentina se misturam a palmas e discussões em voz alta.
Pedro Almodóvar e seus atores repassam o roteiro de “Las Panteras”, refilmagem em español do clássico de ação “Los ángeles de Charlie”. O diretor de “Fale com Ela” está em dúvida em relação ao roteiro. Quer deixar sua marca autoral, mesmo em uma superprodução como esse remake. Para isso, convocou Penélope Cruz, Lola Dueñas e Elena Anaya como as três protagonistas. Foi mais fundo na latinidade e chamou Gael García Bernal, Diego Luna e Javier Cámara para coadjuvantes de luxo. No papel de Charlie, nem duvidou: escolheu Carmen Maura (que está atrasada para o ensaio) – no caso, interpretando Charlotte.
O teste de elenco começa com Penélope, Lola e Elena. Almodóvar pede que repitam a história de suas personagens, uma de cada vez, para todos entrarem no clima:
– Ex-stripper; ex-ladra; órfã; católica como uma freira e mortal como uma navalha – diz Penélope, encarnando Consuelo, a líder do grupo.
– Graduada em Química e expert em explosivos; bissexual; vingativa; ex-atriz mirim, uma das revelações de Chiquititas – diz Lola Dueñas, que interpreta Petra, o cérebro do trio.
– Filha pródiga de um magnata; poliglota; mentalmente instável; faz o melhor gaspacho de toda a península Ibérica – diz Elena, que dá vida a Yolanda, a patricinha (à Almodóvar) das três.
Animado, Almodóvar manda que comecem os ensaios. A primeira cena que fazem é uma de resgate a Petra, capturada pelo maquiavélico David (Javier Cámara), um médico de uma clínica de abortos. Ele tenta forçar Petra a criar um composto que dissolva látex, para sabotar uma fábrica de camisinhas; ela se recusa; David então a deixa trancada no almoxarifado de sua clínica. Consuelo e Yolanda devem se passar por pacientes, escapar por um dos corredores, explodir a parede que dá para a saída; Charlotte disse que um carro estará esperando por elas quando virarem a esquina. Gael e Diego fazem os dois assistentes de David, que, por ora, não parecem ter qualquer importância, além de apanhar de Consuelo e Yolanda.
Logo na primeira fala (“pero que demónios habla, David!”, dizia Petra), Almodóvar pede que parem. Errado, errado, errado: dónde está la inspiración? La cólera? Los ojos llenos de energía? Almodóvar diz que quer sangre y pasión, como se suas vidas estivessem em risco, como numa tourada!
Mas antes de recomeçarem a cena, Almodóvar tem uma ideia.
– Hay que cambiar todo! Todo!
Agora, ele quer que Gael, Diego e Javier sejam as panteras. Eles protestam; elas riem. O cineasta é firme, altivo como um Freddie Mercury a comandar seu espetáculo:
– El roteiro soy yo [o leitor fiel perceberá que o portunhol de Almodóvar (leia aqui) não evoluiu tanto].
O diretor começa então a delinear o papel de cada um. Gael será Alejandro, um policial que quer conhecer seu filho. Diego será Pablo, um agente secreto estéril, em busca de um doador de sêmen para sua esposa realizar o desejo de ser mãe. E Javier será Pepe, expert em explosivos que participa de sua última missão: finalmente juntou dinheiro para a operação de mudança de sexo.
Os atores riem, as atrizes ainda mais (só os agentes não parecem tão animados). Satisfeito, Almodóvar pede que comecem os ensaios da cena do sequestro de Pepe (que está convencido de que está grávido, por isso se consulta com a doutora Consuelo, na verdade uma terrorista separatista da Catalunha). Eles começam a se preparar, pensando no diálogo que improvisarão, na “pasión” e na “inspiración” que Almodóvar buscava.
Ao grito de “Acción!”, eles dão início à cena. Antes que o cineasta possa interrompê-los, alguém abre a porta do auditório.
É o office boy, avisando que madame Carmen Maura chegou. Almodóvar pede que a deixem entrar.
A atriz veterana chega discretamente; cumprimenta Almodóvar com um beijo no rosto, abraça com afeto Lola Dueñas e Penélope Cruz. Faz uma piada sobre a beleza de Gael e Diego, algo sobre o beijo que trocaram em “E Sua Mãe Também”. O cineasta gargalha e tem uma ideia nova para o roteiro, inspirado por sua musa. Carmen, Penelope e Elena serão mãe, filha e sobrinha, “las panteras” de La Mancha, Gael interpretará um soldado que volta da guerra franquista, expulso do Exército pela relação com Jorge (Diego Luna) enquanto Javier será –
Almodóvar nem percebe que ninguém mais o escuta. Está hipnotizado pelas próprias ideias, pede que alguém lhe traga papéis, uma caneta, um gravador! Rápido!
O office boy se assusta e repara que estão falando com ele. Sai correndo atrás de algo para escrever – e deixa a porta entreaberta. Sotaques da Espanha, do México, da Argentina se misturam a palmas e discussões em voz alta. Ao que parece, Almodóvar arranjou uma personagem perfeita para Ricardo Darín, que interpretará um fiscal do imposto de renda, cujo pai foi toureiro, em busca de vingança contra um piloto de avião e seu comparsa, um –