Thiago Nolla | 1 de outubro de 2014

Mesmo Se Nada Der Certo: amor e humor em outro formato

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/10/Begin-Again.jpg”] – Há no amor o dom da incerteza – já dizia a grande e ainda subestimada escritora Iris Murdoch. No cinema, o clichê do “para sempre” como fórmula tirou essa característica mais-que-linda dos romances, que nos carregavam na ansiedade até o último momento. Nos velhos tempos, que talvez não sejam tão velhos assim, […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/10/Begin-Again.jpg”]

– Há no amor o dom da incerteza – já dizia a grande e ainda subestimada escritora Iris Murdoch. No cinema, o clichê do “para sempre” como fórmula tirou essa característica mais-que-linda dos romances, que nos carregavam na ansiedade até o último momento. Nos velhos tempos, que talvez não sejam tão velhos assim, o final feliz – assim como qualquer outro final – era construído, e não consumado; desde que o esquema dos filmes açucarados tomou conta de Hollywood, raros são os exemplares que fogem do senso comum do óbvio desfecho de felicidade cristalizada após adversidades.

Felizmente, Mesmo se Nada Der Certo foge desses estigmas; dirigido por John Carney, responsável pelo tocante e melancólico “Apenas Uma Vez”, o filme é um respiro para aqueles que, como o cinéfilo que vos fala, procura mais do que felicidade eminente em um filme romântico. A história, contada no mesmo teor romance-musical o primeiro filme de Carney, segue os passos de Gretta (Keira Knightley), que se muda para Nova Iorque para acompanhar seu namorado (Adam Levine) em um começo de uma carreira musical. Situações na história – bem óbvias, temos que assumir – levam Gretta a se desiludir e querer retornar ao seu país de origem. Uma noite, é chamada ao palco por seu amigo também músico Steve (James Corden) a cantar em um bar. Nesse momento, sua história se cruza com a de Dan (Mark Ruffalo), um produtor de discos alcoólatra que vive um momento complicado em sua vida como um todo.

Até aqui, a exceção do prólogo em paralelo, nada de novo; nesse momento, estamos no eixo da problematização de qualquer filme romântico: dois personagens que se encontram em um momento cheio de possibilidades para ambos, com um motivo para ficarem juntos e desenvolverem a paixão tão esperada. No entanto, à medida que o filme transcorre, vamos percebendo que Carney é mais inteligente do que a lógica dominante; enquanto o projeto musical de Gretta e Dan toma corpo, a delineação da relação de ambos também fica mais evidente; a atração e a paixão – platônica ou não – se desenvolvem de forma delicada, sem forçar o acontecimento.

Além de o roteiro ser desapressado e das canções serem extremamente delicadas, o elenco é parte importante nesse conjunto fora do eixo; Keira Knightley está sempre segura e atraente em um personagem que poderia facilmente cair no clichê de looser-desesperada-para-superar-traição. Mas o arco dramático é sustentado por Ruffalo, que está ótimo em um personagem complicado e cheio de nuances, que seria facilmente odiável se não fosse o ótimo trabalho humanizador do ator. Ainda, há participações importantes e convincentes, como da sempre ótima Catherine Keener, do divertido James Corden e da jovial Hailee Steinfeld.

No final, não temos uma comédia romântica, e sim um romance-de-situação-musicado; romance por tratar o amor na acepção da palavra, cheio de significados e impossibilidades, seguindo caminhos por vezes mais pessoais do que amorosos. A construção da nossa história é mais recheada de não-amores do que de relacionamentos felizes. Por fazer escolhas diferentes das que vemos no cinema atual, Carney merece todo o reconhecimento – e, claro, Mesmo se Nada Der Certo merece ser descoberto e visto como um filme maior do que uma obra água-com-açúcar.