Pedro C Pardim | 20 de agosto de 2014

cine clássicos: O Batedor de Carteiras

O batedor de carteiras, Pickpocket, Robert Bresson, 75 min, 1959 [img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/08/pickpocket.jpg”] Michel (Martin LaSalle) está desempregado e vive de furtos em Paris. Logo no início do filme, o vemos em ação no hipódromo quando então furta uma mulher. A partir daí conheceremos como Michel irá aprimorar seu talento de batedor usando de vários recursos: […]

O batedor de carteiras, Pickpocket, Robert Bresson, 75 min, 1959

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Michel (Martin LaSalle) está desempregado e vive de furtos em Paris. Logo no início do filme, o vemos em ação no hipódromo quando então furta uma mulher. A partir daí conheceremos como Michel irá aprimorar seu talento de batedor usando de vários recursos: aulas com ladrões mais experientes, exercícios para agilidade dos dedos e mãos, inspiração na literatura.

Ele vive só num quarto no qual nem mesmo a porta fecha: da vida assim, aparentemente desorganizada, conheceremos aos poucos as pessoas que compõem sua vida, ainda que de maneira distante (propositalmente). Eles são seu amigo Jacques (Pierre Leymarie), sua mãe doente (Dolly Scal) que vive em outra casa e a sua vizinha – Jeanne (Marika Green). Informação importante é que só sabemos dessa história a partir da perspectiva de Michel: a narrativa é toda constituída pelo seu olhar, suas palavras, suas descobertas e escolhas. Acompanhados por ele veremos alguns parisienses, seus hábitos de lazer e transporte, seu modo de se relacionar com o outro. Nesse sentido, a proposta do filme tem algo que remete a um convite voyeur.

Pickpocket é filme de 1959, obra aclamada por críticos e considerada uma das obras-primas de Robert Bresson. Diretor francês símbolo do minimalismo, realizou filmes marcados pela economia de apelos emotivos: as interpretações quase que impassíveis dos atores (muitos, não profissionais, como o uruguaio Martin LaSalle) destacam o trabalho de direção, de modo geral, e de edição em particular. Nesse filme, por exemplo, o fato de os personagens não fornecerem pistas tão imediatas sobre seus sentimentos e planos nos convida a observar e compreender a história por seu entorno, pelos ambientes, pelos pequenos gestos, pelos detalhes mesmo.

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Para além das questões técnicas refinadas, a fotografia belíssima e os cortes precisos na edição dizem muito sobre a arte de Bresson e a história que se narrou no filme; O batedor de carteiras se destaca também pela história de culpa e redenção que move de algum modo Michel e tem seu ápice na cena final. Inspirado livremente em Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, a temática de origem religiosa da culpa ganha aqui os contornos da solidão de Michel e de sua recusa em se adequar à sociedade tal como prescrito como ideal. Sua casa é espaço que oprime e também liberta na medida em que tem algum controle, raso, sobre ela. Por outro lado há sua solidão, sua negação em se relacionar com aqueles que lhe tem algum afeto, ao menos no que vemos na superfície da história que Michel nos permite conhecer – mas sempre há possibilidade de preencher as lacunas, observar o não dito nos cortes rápidos.

Admirado por cineastas de grande porte como Bergman, Truffaut e Goddard, além de tantos cinéfilos e admiradores do cinema, os filmes de Bresson ainda são em grande parte pouco conhecidos do público em geral embora sejam, ainda hoje, paradigmáticos da escolha por um cinema que fale por si, por suas imagens e sons. Como disse Jean Sémolué em texto publicado aqui, Bresson foi um cineasta em busca da linguagem pura.