Thiago Nolla | 10 de agosto de 2014

made for TV: SaladanoEmmy! – Stephen Frears não condena ao retratar o julgamento de Muhammad Ali

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/08/o-MUHAMMAD-ALI-facebook.jpg”] Para mais uma vez “chover no molhado” da elevada qualidade do que se produz na TV hoje em dia – e, claro, justificar de maneira descarada a existência dessa coluna que se consolida – traremos à tona um fenômeno bem comum do mercado de entretenimento atual: a migração, em alguns casos quase uma […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/08/o-MUHAMMAD-ALI-facebook.jpg”]

Para mais uma vez “chover no molhado” da elevada qualidade do que se produz na TV hoje em dia – e, claro, justificar de maneira descarada a existência dessa coluna que se consolida – traremos à tona um fenômeno bem comum do mercado de entretenimento atual: a migração, em alguns casos quase uma diáspora, de diretores/realizadores do cinema para a TV. O exemplar da maratona do #SaladanoEmmy dessa semana é um candidato com diversas características que corroborariam facilmente esse movimento.

Independentemente de saber quem escolheu quem – se HBO ofereceu o projeto ou se o realizador vendeu sua ideia – pode-se ter uma única certeza: a combinação de uma história política bem estadunidense, contada sob os olhos de um diretor britanicamente amoral, corrobora a liberdade da TV (e/ou HBO, e/ou americana, como quiserem) em reverter fórmulas (até) patrióticas de sucesso. E o resultado, mais uma vez, foi um grande acerto.

Estamos falando de Stephen Frears (Os Imorais, Alta Fidelidade, Ligações Perigosas, A Rainha, entre muitos outros), e do telefilme da HBO chamado Muhammad Ali’s Greatest Fight – que recebeu duas indicações, melhor telefilme e melhor direção em telefilme, ao Emmy desse ano. Pregresso da própria TV – com boas produções na BBC durante quase toda década de 1980 –, Frears responsabilizou-se por contar a história da batalha mencionada no título, quando Muhammad Ali resolveu se recusar a lutar na Guerra do Vietnã sustentando-se na sua incompatibilidade religiosa (ele era muçulmano) em relação a qualquer conflito armado.

Nesse contexto, o grande embate ocorreu dentro do pilar judiciário estadunidense, envolvendo juízes do Supremo Tribunal Federal, liderados diretamente por Walter Burger (Frank Langella), que têm o poder da última palavra na decisão de livrar Ali ou mandá-lo a cadeia. Nesse contexto e cenário da Suprema Corte, temos diferentes personagens (históricos ou não) que completam o quebra-cabeça humano diversificado, como o estagiário sonhador (Benjamin Walker), os juízes mais velhos (Barry Levinson, Fritz Weaver, entre outros), o republicano herdeiro de Lincoln (Christopher Plummer), entre outros.

Talvez à primeira vista – ou, nesse caso, ao final da primeira assistida, já que o viciado que vos fala prefere assistir ao menos mais uma vez qualquer longa que seja, num exercício que têm se mostrado bem positivo – a impressão de simplicidade dos filmes de Frears permaneça mais do que usualmente, como quando vemos Philomena; se os filmes do diretor geralmente são sóbrios antes de qualquer coisa, esse Muhammad Ali’s Greatest Fight é o maior (seja isso pior, ou melhor) exemplo desse atributo. Uma história sobre decisões jurídicas que são influenciadas pela política da época que é contada de maneira despretensiosa, sem julgamentos, não teria como causar, em olhos demasiadamente “HouseCardianos”, as melhores impressões.

Mas a verdade é que o roteiro de Shawn Slovo é brilhante exatamente por isso: enquanto estamos acostumados a ver política como um jogo de dinheiro e poder, o enredo – atrelado à maneira como Frears guia esse conjunto – torna essa história resultado de seus minimalismos representativos, tornando tudo uma dinâmica de embates entre pessoas diferentes. A subversão está no fato de que os interesses de todos estão claros – o chefe do Supremo foi indicado por Nixon, um dos juízes é claramente influenciado pelos grupos jornalísticos, entre outros – mas são características, não determinantes. E Frears foi essencial: mostra seres humanos cheios de camadas, sem julgamentos e passíveis de erros e mudança de opinião, independente de suas influências e lugares no tabuleiro político do jogo de poder.

O elenco tem um trabalho honesto e delicado, mesmo sem grandes cenas particulares; Plummer e Langella merecem ser citados, exatamente por fazerem o que sabem fazer melhor: são econômicos e corretos, exatamente por seus respectivos personagens requererem e nada mais. Em um mundo de exacerbações na arte de atuar, esse é um mérito a ser louvado. Além disso, a direção de arte e a direção de fotografia merecem destaque, por sustentarem suas representações de ambientes repetitivos de escritório sem resvalar na aparência de cenário.

Baseando-se na parceria Frears-HBO, a verdade é que o resultado de Muhammad Ali’s Greatest Fight só corrobora a lógica televisiva atual; a assinatura do diretor britânico é o que traz a qualidade e o bom resultado. Qualquer outro realizador não traria o que a história precisa, que é algo que Frears sempre fez com maestria: reportar sem questionar, questionando por simplesmente reportar.