Eric P Sukys | 5 de agosto de 2014

cine remix: A Vida Selvagem das Tartarugas Ninja

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/08/a-vida-das-tartarugas.jpg”] “Tartarugas Ninja? Essa é boa!”, me disse o diretor de conteúdo do Animal Planet. “Qual a próxima ideia de merda que você vai me trazer, atuns cavaleiros? Elefantes samurai? Se manda, porra!” E ali estava eu, com um documentário pronto na mão e nem um puto de grana na cabeça, na carteira ou […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/08/a-vida-das-tartarugas.jpg”]

“Tartarugas Ninja? Essa é boa!”, me disse o diretor de conteúdo do Animal Planet. “Qual a próxima ideia de merda que você vai me trazer, atuns cavaleiros? Elefantes samurai? Se manda, porra!”

E ali estava eu, com um documentário pronto na mão e nem um puto de grana na cabeça, na carteira ou em qualquer lugar. O que faria agora com os quarenta minutos acompanhando a vida dos répteis combatentes do crime? Até a locução já estava gravada. O primeiro passo parecia óbvio: voltar para casa e xingar. Depois, empenhar umas cadeiras, a mesa, talvez o sofá, para matar o primeiro round de dívidas. Aí sim pensar no que fazer com o filme.

Porque eu precisava mostrar ao mundo a vida das Tartarugas Ninja. Havia cenas ali fantásticas. As tartarugas ninja tomando banho, por exemplo. Ou sua alimentação, que consiste basicamente numa dieta de pizza e Coca-cola (às vezes, eles acordavam com uma fissura por salada, um evento curioso e recorrente no documentário. Com uma câmera escondida, filmamos Raphael comprando alface de um traficante no Upper East Side.)

Tínhamos gravado a rotina delas. Acordavam em torno de dez da manhã e treinavam com seu mestre Splinter. Não só os exercícios ninja, mas também o controle de seus instintos animais. Uma espécie de zen-budismo que aplacava a vontade de libertar as irmãs, vítimas de pet-shops ou zoológicos.

O ritual do acasalamento também aparece no filme, em que vemos cantadas das tartarugas naquela repórter de televisão, April O’Neil. Intercalamos com um depoimento da jornalista: “não é que não goste delas, mas é estranho, sabe? Elas são quatro, todas dando em cima de mim, fico com um pouco de medo”, ela disse. “O problema não são elas, sou eu.” Mas elas são tartarugas, respondemos. “E daí? O amor não escolhe espécie.”

As entrevistas, uma mais difícil de marcar que a outra. Não é simples conversar com o Destruidor, sabia? O cara tem agenda cheia. Num dia, aterroriza um bairro da periferia de Nova Iorque. No outro, afia as garras e lâminas, treina kendô e muay thai. Em seguida, faz uns bicos de sushimen. Mas falamos com ele, com Splinter, com biólogos e até com senseis. Para quê? Para o filme mofar num HD externo, isso sim.

Eu sonhava com a transmissão. Em qualquer canal, não me importava. “Hoje, no Globo Repórter, vamos conhecer a incrível história de répteis que sonhavam em praticar artes marciais. E conseguiram, graças à ajuda de um rato.” Ridícula a ideia? Até parece. Fizemos um documentário genial, uma mistura de Crocodile Dundee com Bruce Lee.

O mundo não pode ser privado de ver as Tartarugas Ninja despertando de sonhos intranquilos, assustadas. Um pesadelo constante: estão numa praia, correndo desesperadas em direção ao mar. Elas e uma multidão de outras tartarugas. De repente, águias, caranguejos e cobras as atacam. Poucas se salvam. Segundo Leonardo, elas nunca estavam entre as vitoriosas. Donatello refletiu que talvez fosse uma manifestação do inconsciente coletivo da espécie. Nervoso, Michelangelo dizia: o que significa isso? Eu não soube lhe responder na entrevista. Mas hoje, depois desse esporro do diretor, saberia como consolá-los. Afinal, descobri como é morrer na praia.