Thiago Nolla | 26 de julho de 2014

Made for TV – Nessa salada de cinema e(m) TV, Sherlock é telefilme ou é série?

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/07/Sherlock_S03E03_1080p_kissthemgoodbye_net_4570.jpg”] Em uma fase em que a TV americana é quase uma incubadora criativa, e Hollywood segue com os mesmos arrasa-quarteirões-sequências mais que repetitivos, nada mais natural que eventos como as Indicações ao Emmy (prêmio da TV Americana) se tornem algo tão ou mais esperado que a cerimônia de indicados ao Oscar. Nesse meio […]

[img src=”http://saladadecinema.com.br/wp-content/uploads/2014/07/Sherlock_S03E03_1080p_kissthemgoodbye_net_4570.jpg”]

Em uma fase em que a TV americana é quase uma incubadora criativa, e Hollywood segue com os mesmos arrasa-quarteirões-sequências mais que repetitivos, nada mais natural que eventos como as Indicações ao Emmy (prêmio da TV Americana) se tornem algo tão ou mais esperado que a cerimônia de indicados ao Oscar.

Nesse meio tão prolífico, e focando nas indicações do Emmy 2014 anunciadas na semana passada, temos um exemplar que se destaca não só pela nacionalidade – britânica, na essência da história e realização -, mas também pela subversão de formatos que essa obra iniciou desde sua estreia em 2010.

Estamos falando não somente de uma produção britânica, com selo de qualidade BBC, mas também de uma história classicamente inglesa, e já adaptada inúmeras vezes, tanto para a TV quando para o cinema. Estamos falando de Sherlock, telefilme-série que não só angariou diversas indicações pela terceira temporada consecutiva, mas vem causando um rebuliço absurdo de maneira progressiva, proliferando cada vez mais fãs em diversas partes do mundo.

Os ingredientes que justificam o sucesso desse formato híbrido são facilmente reconhecíveis: atualização do tempo-espaço para uma Londres contemporânea, personagens problemáticos e com problemáticas atuais – e acontecimentos reais, como a Guerra do Afeganistão -, e utilização do novo e mais democrático meio investigativo da atualidade: a internet.

Entendendo esses pilares, poderíamos falar das duas temporadas anteriores, com seus três episódios-longa-metragens mais que redondos e extremamente bem dirigidos, perspicazmente escritos e, acima de tudo, otimamente encenados por um elenco impecável. Mas, como essa é uma coluna de “cinema na TV”, nos ateremos ao último e mais indicado exemplar dessa empreitada: Sherlock: His Last Vow – que nada mais é do que o grande epílogo (ou quase) desse caminho traçado em quase quatro anos.

Nessa história (quase) totalmente independente, vemos Sherlock (Benedict Cumberbatch, um parágrafo à parte) lidando com o “novo vilão” e com as adaptações na sua vida que a nova condição matrimonial de Watson (Martin Freeman, outro parágrafo à parte) vem impondo. Saber disso é o suficiente; vendo ou não os episódios anteriores, a qualidade do que se apresenta já supre qualquer premissa de entretenimento.

E daí voltamos às características do diferencial que Sherlock representa: apesar de partes conectadas, todos os longas-metragens – sim, estamos falando de filmes – funcionam de maneira independente. Por isso, His Last Vow tem enredo, motivações, estrutura e todo o resto totalmente particulares. Também tem a internet (e a tecnologia, em geral) com papel fundamental – além de um jogo de máscaras bem característico das histórias originais.

Na adaptação, não é nenhuma surpresa que o novo Sherlock seja não somente neurótico, outsider, e tenha sérios problemas de TOC – além de avesso ao contato social; afinal de contas, atualmente esse é o pilar de personalidade de todo protagonista que se preze, tanto na TV quanto no cinema. No entanto, a grande sacada dos roteiristas Mark Gatiss (que também está presente na série como ator, interpretando o irmão de Holmes, Mycroft) e Steven Moffat foi transformar o Holmes em um geek-hipster, que se veste bem e adora tecnologia. E esse outsider não só funciona como angaria fãs cada vez mais apegados e tão aficionados como qualquer seguidor de HQ´s do Homem-Aranha.

Boa parte do mérito está em Benedict; sua performance é tão crível quanto absurda, e convence mesmo nos momentos de adivinhações intermináveis e questionáveis – isso tudo sem deixar nunca que o personagem caia no caricato. Cumberbatch é carismático e convence na inteligência acima do normal tanto quanto nos mínimos cacoetes. É digno de um Emmy – algo que será quase uma heresia caso não ocorra na próxima premiação.

Além de estar apoiado por um roteiro enxuto e inteligente, uma direção elegante de Nick Hurran (que foi responsável por diversos episódios recentes de Doctor Who) e uma edição ágil, Cumberbacth não está sozinho. Martin Freeman é um Watson perfeito, que não funciona somente como apoio moral e emocional de Holmes, mas também como peça essencial no desenrolar dessa e de todas as outras histórias. Freeman é tão certeiro em cena quanto seu protagonista, cheio de nuances e gags mais que memoráveis. Fica aqui outra aposta para essa e qualquer outra premiação: se ganhar será mais que merecido.

Por isso, Sherlock: His Last Vow é muito mais que um episódio final de uma série de TV bem feita. É uma obra que funciona por si só, com ciclo(s) que se fecha(m) e qualidade individual. É série, é telefilme, é cinema; feito nas entranhas da TV, mas cinema na acepção da palavra: uma janela para um mundo de personagens reais cheios de motivações que têm começo, meio e fim.