Andre D do C | 24 de julho de 2014

Amar, viver e filmar

Dramático, cômico e com interpretações marcantes – na medida certa em que soltam tiradas impagáveis. O mais novo e derradeiro filme do cineasta remanescente da vanguarda francesa, Alain Resnais, tem tudo para se tornar uma comédia envolvente e divertida, caso você o empreste apenas alguns minutos de sua paciência. Aqui, mais uma vez, Resnais vai […]

Aimer-boire-et-chanter_alain-resnais-leollo

Dramático, cômico e com interpretações marcantes – na medida certa em que soltam tiradas impagáveis. O mais novo e derradeiro filme do cineasta remanescente da vanguarda francesa, Alain Resnais, tem tudo para se tornar uma comédia envolvente e divertida, caso você o empreste apenas alguns minutos de sua paciência.

Aqui, mais uma vez, Resnais vai ao teatro buscar inspiração para suas obras. O filme é baseado na peça de Alan Ayckbourn “A Vida de Riley”, e partindo dos palcos, ele se apropria da teatralidade também em sua estilização e formato. Em seus recursos, o filme é quase uma peça filmada. Todos os cenários são construídos em cochias coloridas, impondo uma espacialidade subjetiva ao espectador. As exceções são os planos móveis pelas estradas de Yorkshire, na Inglaterra (local original da trama) e as ilustrações de Roy Lichtenstein – ambos recursos utilizados somente para atribuir mudanças de cenários.

A morte, outro elemento que já é recorrente na obra do diretor, aparece mais uma vez como o ponto de partida. Ela é o catalisador da trama, quando é anunciado que George Riley (o mesmo que empresta nome à peça) tem somente 6 meses de vida. Com isso, se instaura o alvoroço em um grupo de atores semiamadores de meia-idade, que estão em meio à preparação de uma peça.

E como em toda encenação que se preze, não faltaria aqui um elenco á altura. É graças aos atores de peso que, por meio de uma série de artífices no diálogo, consegue-se colocar a narrativa em cena, já que grande parte da ação é implícita e cabe aos 6 únicos membros do elenco introduzirem a miríade de eventos que ocorrem nos “bastidores”, mas nunca na frente das câmeras. Aqui mais uma vez, se vê o recurso da subjetividade teatral. O próprio George, personagem que alavanca a história, nunca sai dos “bastidores”. Dessa forma, a própria morte permanece subentendida, aliviando a possível carga dramática do desenrolar dos eventos.

Assim como os cenários, os episódios e o próprio personagem central, muito é deixado a cargo da imaginação do público, em meio ao entre e sai de atores das cochias. E se a obra é, em termos de recursos, uma peça filmada, não o seria sem a expressividade e movimentação de câmera característicos da Nouvelle Vague, que varia de tomadas amplas a close-ups com maestria. Resnais também toma um cuidado excessivo em sincronizar a movimentação dos atores com as nuances do roteiro.

Esforço que é bem-sucedido, ao nos montar um quebra-cabeça, sem que nos revele todo o seu contorno, ao mesmo tempo em que não nos exige nada muito além do nosso entretenimento e imaginação. Um filme que, mais do que a morte, fala sobre a vida. Na qual, como é precisado pelo título, – traduzido corretamente do francês – é preciso Amar, Beber e Cantar. E, às vezes, ter paciência com o que é diferente, e mente aberta para a criatividade.