Thiago Nolla | 22 de julho de 2014

O Último Amor de Mr. Morgan | Dois filmes, uma única obra: Porque Michael Caine faz a diferença

A temática do envelhecimento já foi bastante explorada no cinema, mas nem sempre como enredo central esclarecido Em geral, temos exemplares, em sua maioria, que discorrem sobre esse processo como meandro, não como argumento final. Poucos são os filmes, como Baleias de Agosto, que têm como objetivo uma análise profunda e completa dessa fase que, […]

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A temática do envelhecimento já foi bastante explorada no cinema, mas nem sempre como enredo central esclarecido Em geral, temos exemplares, em sua maioria, que discorrem sobre esse processo como meandro, não como argumento final. Poucos são os filmes, como Baleias de Agosto, que têm como objetivo uma análise profunda e completa dessa fase que, trocando em miúdos, chegará para todo e qualquer ser. Se a morte é a única certeza, visualizar as incertezas e angustias dessa etapa final é algo mais que interessante.

Claro que, independentemente de como a história será contada, grandes interpretes são a melhor forma de passar qualquer sensação. Talvez – e muito provavelmente só por isso – O Último Amor de Mr. Morgan valha a ida ao cinema. Acima de tudo o que você verá e o que será dito, Michael Caine é a razão para o filme funcionar nas partes em que funciona, e o motivo que vai te segurar na cadeira da sala escura quando nada mais se justificar nesse enredo.

Na história, conhecemos Matthew Morgan (Michael Caine), americano que mora em Paris há algum tempo e mesmo assim não conhece a língua local. Mudou-se junto com sua esposa, Joan (Jane Alexander), por vontade dela. Matthew escolhe (consciente ou inconscientemente) permanecer na cidade mesmo após a morte de Jane, e mesmo com seus filhos – Karen (Gillian Anderson) e Miles (Justin Kirk) – morando nos Estados Unidos. Vive, então, uma vida solitária e de clausura até que conhece Pauline (Clémence Poésy). Aos poucos, eles vão criando um vínculo muito particular, com intenções indefinidas e consequências irreparáveis.

Seria muito mais interessante se a diretora Sandra Nettelbeck – responsável pelo delicioso Simplesmente Marta – tivesse parado por aí. Por mais de uma hora de projeção, somos envolvidos de maneira doce, inteligente e até tocante na construção desse relacionamento, seja ele qual for. Um dos méritos dessa primeira parte é exatamente a imparcialidade que os personagens se tratam, e que automaticamente é passada ao público: duas pessoas se conhecendo de maneira sincera e delicada.

Além do roteiro e da direção ajudarem e da bela retratação de Paris corroborar bastante, ambos os atores merecem uma reconhecimento. Caine está ótimo e irrepreensível, além de na medida e confortável em todas as cenas. É, sem sombra de duvidas, sua melhor interpretação em anos, em um personagem que – ao menos durante a primeira parte – encanta e foge totalmente dos clichês. Clémence ilumina o ambiente e cativa na maioria de suas cenas – principalmente quando estamos observando seus comportamentos de cotidiano. Apesar de resvalar em caretas nos momentos de maior drama, sua química com Caine funciona otimamente bem e suprime qualquer entrave.

Nesse mesmo filme, parece que temos dois longas completamente diferentes. Após essa primeira parte mais que interessante, temos um acontecimento que traz à tona novos personagens – os já citados filhos de Matthew aparecem e ficam por completo. A trama se enrosca e a historia perde completamente o rumo; parece que estamos vendo um filme totalmente diferente, até dirigido e roteirizado por outras pessoas. Sandra Nettelbeck se perde tanto nas explicações da vida de Matthew – que soam totalmente desnecessárias, considerando a premissa da trama – quanto na própria direção de atores. Gillian Anderson apresenta um personagem totalmente descontextualizado e caricato demais, e Justin Kirk não reage e passa o tempo todo em cena quase totalmente apático a todos os acontecimentos.

Por isso, nesse contexto tão promissor quanto decepcionante, a ideia é se segurar na veracidade e talento de Caine e se deixar levar pelo resto. Na encenação de um tão denominado último amor, o desfecho soa ainda menos maduro e desconexo. Na compreensão do envelhecimento, Caine é mais inteligente que seu entorno; com seus olhos significativos, expressa mais que brilhantemente algo que o roteiro parece esquecer: a vontade de sentir-se vivo é sinônimo de procurar algo pra viver. É um alento que te faz lembrar que a maquina do cinema pode esquecer-se de coisas tão simples, mas grandes atores sempre te farão entender com um simples olhar.