Andre Pacheco | 19 de abril de 2014

cine brasil: Ditadura, Cinema E Revisão

No dia 1º de abril deste ano completou-se 50 anos do início do Regime ou Ditadura Militar no Brasil. Foi um regime militar, autoritário, nacionalista e, também, civil, com apoio estrangeiro, onde o Brasil ficou nas mãos de presidentes militares por mais de duas décadas. As consequências dessa “era maldita” aparecem até hoje. Por existir […]

10173340_629923807085198_1615192835_n

No dia 1º de abril deste ano completou-se 50 anos do início do Regime ou Ditadura Militar no Brasil. Foi um regime militar, autoritário, nacionalista e, também, civil, com apoio estrangeiro, onde o Brasil ficou nas mãos de presidentes militares por mais de duas décadas.

As consequências dessa “era maldita” aparecem até hoje. Por existir numa “fábula” econômica aonde o Brasil iria “evoluir”, a economia dessa época vivia mais de propaganda do que de uma real ação nacional. As empresas apoiadoras do Regime tinham seus lucros e o governo nunca “sustentou” nenhum movimento social amplo realmente. Tudo era fachada… E, lógico, com o tempo a miséria aumentou, favelas proliferaram pelas cidades grandes e, nos anos 80, apareceu uma hiperinflação tamanha que causou até mesmo o fim desse regime, além de outros fatores.

Mas o que a coluna dessa semana elege é uma idealização do que foi esse momento negro na história do Brasil e o que o nosso cinema nacional “pensa” sobre isso.

10270252_629923810418531_1053670624_n

O que fica muito claro em listas e dizeres críticos é que dois filmes, basicamente, são os maiores clássicos em relação a esse período mórbido. O grande documentário “Cabra Marcado Para Morrer” (1984) de Eduardo Coutinho e “Terra Em Transe” (1967) de Glauber Rocha possuem as maiores qualidades entre os filmes que se realizaram em prol de uma estética crítica em relação ao Regime Militar.

No semidocumental “Cabra Marcado Para Morrer” Eduardo Coutinho realiza um projeto não só artístico, como também, uma prova cabal do quanto o Regime perpetuava seu imaginário “destruidor” também na cultura. Em razão do golpe militar, as filmagens foram interrompidas em 1964. Parte da equipe da produção do filme foi presa e o projeto só foi reiniciado 17 anos depois.

Já o filme “Terra Em Transe” de Glauber Rocha talvez seja a melhor obra em toda a filmografia brasileira com algum conteúdo relacionado ao Regime Militar. Um filme difícil, com uma linguagem de vanguarda, que já foi considerado como a melhor obra de Glauber e, também, como filme “envelhecido” (como já foi dito em uma coluna anterior sobre esse filme).

O fato é que o cinema brasileiro pouco obteve, realmente, numa dedicação plena com essa era política social. Esses dois exemplos citados acima foram obras realizadas no calor do momento. Eduardo Coutinho e Glauber Rocha possuem carreiras no cinema onde iniciaram quase com a mesma época com o próprio Regime. E fazem parte da história da cultura brasileira adjunto desse Regime também.

10259644_629923803751865_2075695710_n

Essas obras ainda permanecem inalteradas por serem de uma qualidade crítica rara. E acabam por serem meras estrelas em um céu que pouco brilha. Nas décadas de 70, 80, 90 e 2000 o cinema brasileiro tocou nesse assunto. Produziu filmes e documentários excelentes que perpassam por vários assuntos e poéticas ligadas ao Regime. Porém a sensação da falta de algo mais aprofundado é latente.

Em uma recente reportagem pelo jornal O Estado de SP, o jornalista Luiz Zanin Oricchio produziu um texto belíssimo sobre o “O Golpe Nas Telas” elencando sucessivas obras com grande importância. Mas mesmo com esse afinco de crítico bem intencionado, nem mesmo ele deixa claro algo pouco explorado. O cinema brasileiro carece de uma maior imaginação crítica cultural com relação à história do país. Não se trata de um descaso e muito menos da falta de conhecimento. Temos grandes autores cineastas. Mas a sensação da falta de algo palpável é muito grande.

Obras como “Cidadão Boilesen” (2009) de Chaim Litewski e “Ação Entre Amigos” (1998) de Beto Brant são grandes filmes que entraram para a história do nosso cinema nesse assunto Regime Militar e suas consequências culturais. Mas algo pendente ronda nossos ares culturais. Essas duas obras são filmes “comuns” com métricas cinematográficas “simples”.

O teor que essa coluna propõe é algo maior até. Como na escrita de Zanin Oricchio quando diz “longe de esgotado, o tema clama por abordagens mais ousadas e originais”, o sabor de quero mais persiste realmente. Por se tratar de um tema histórico, a ideia de que se fica tudo relegado a documentários sobre essa época no cinema é muito clara. O próprio “Cidadão Boilesen” possui uma ideia maravilhosa, onde mostra lado civil/empresarial tomando parte com o Regime.

Aqui se poderiam dizer vários parágrafos sobre o cinema brasileiro e seus filmes em relação ao Regime Militar. Com certeza é um assunto grandioso. Contudo, fica uma dúvida: até quando seremos bombardeados por obras intelectuais (belíssimas até!) como “Em Busca De Iara” (2013) de Flávio Frederico numa repetição gradual? É possível termos obras cinematográficas incomuns, distintas e que possuem uma poética totalmente inovadora para os padrões pré-estabelecidos no cinema brasileiro? Será possível aparecer entre nós algo que beire a revolução estética e crítica de um Glauber Rocha numa revisão cultural fiel ao Regime? Será realidade um dia o nosso cinema brasileiro fugindo dessas comédias ignóbeis para a realização de obras mais sensatas e inteligentes e que saibam realmente discutir a realidade da nossa nação?

Essa própria coluna de cinema brasileiro já deu uma resposta. O filme “Hoje” de Tata Amaral possui tudo isso que essa coluna sonha. Uma métrica sensível e incomum discutindo um momento negro da história do Brasil. Na relação Ditadura e cinema brasileiro, precisamos de uma revisão.