Andre Pacheco | 1 de abril de 2014

Lars Von Trier: sua história e seus filmes!

Lars Von Trier é um diretor dinamarquês nascido no ano de 1956. Muito conhecido hoje por filmes provocadores e com um sentido crítico desconexo, incomum. Seu cinema é pautado por uma métrica que difere do cinema clássico e beira a aspirações filosóficas. Advindo de uma década florescente de cineastas fantásticos, Lars Von Trier inicia sua […]

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Lars Von Trier é um diretor dinamarquês nascido no ano de 1956. Muito conhecido hoje por filmes provocadores e com um sentido crítico desconexo, incomum. Seu cinema é pautado por uma métrica que difere do cinema clássico e beira a aspirações filosóficas.

Advindo de uma década florescente de cineastas fantásticos, Lars Von Trier inicia sua carreira com o filme “Elemento De Um Crime” em 1984. E essa década de 1980 para a Europa é um grande mar de aspirações criativas e antológicas, muito maior até do que para o cinema americano. Diretores como István Szabó, Werner Herzog, Bernardo Bertolucci, Louis Malle, figuras lendárias da nouvelle vague ainda em atividades como Jean-Luc Godard, Margarethe Von Trotta, Wim Wenders, Victor Erice, Wolfang Petersen, Pedro Almodovar, além de muitos outros.

E o cinema de Lars Von Trier aparece nessa década com um sinuoso cinema incomum, mas de pouco renome popular. Seu sucesso e reconhecimento só vai aparecer mesmo no ano de 1991 com o filme “Europa” apresentando-se no Festival de Cannes. Ganha o Grande Prêmio do Juri e o Prêmio de Melhor Contribuição Artística.

“Europa” é um filme com uma história em tom de pesadelo situado na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Rodada em preto-e-branco, em alguns momentos utiliza a cor, alcançando efeitos de grande vigor dramático. Conta a história de americano de ascendência alemã que viaja até Berlim para ajudar na reconstrução do país.

Não é necessário correr toda a filmografia de Lars Von Trier para saber que sua marca é a provocação. Filmes como “Europa”, “Os Idiotas” (1998), “Dançando No Escuro” (2000), “Dogville” (2003) e os aclamados “Anticristo” (2009), “Melancolia” (2011) são obras de cunho crítico/ácido e de uma sensibilidade incomum. A transgressão artística desse diretor é sua marca, sua métrica e tudo que ele usa possui um tato com essa situação. E seu filme mais recente “Ninfomaníaca” (Vol I e II) baseia-se na mesma fórmula. Lars é tido como um cineasta autor, o que pode ser muito bem aceito.

Entretanto, seus filmes carecem, às vezes, de uma apreciação mais fiel e de um entendimento mais crítico. Por mais autor que pareça ser, Lars Von Trier delimita sua forma de fazer cinema em quesitos já muito delineados na história do cinema mundial. Um exemplo ótimo para se entender isso é o manifesto Dogma 95. Conhecido como um movimento cinematográfico lançado a partir de um manifesto em 13 de março de 1995 em Copenhague, Dinamarca. O manifesto foi escrito pelos diretores de cinema Lars Von Trier e Thomas Vinterberg. É interessante que esse manifesto possui regras que foram, pelo menos na época de seu lançamento, ditas como revolucionárias por alguns setores da crítica especializada, principalmente na Europa. (Basta apreciar a nouvelle vague francesa e o neorrealismo italiano para ver que nada é assim tão novo, revolucionário com Dogma 95).

Regras como filmagens no próprio local da encenação, som original e sem mixagem, câmera sempre na mão… São algumas dessas regras que foram perpetuadas em vários filmes e em vários países. Talvez a melhor obra advinda dessas regras/manifestos seja “Festa De Família” (1998) do diretor Thomas Vinterberg. Um filme muito maior do que o “aclamado” e “revolucionário” “Os Idiotas” (1998) de Lars Von Trier.

Mas o que tudo isso quer dizer com a história da vida de Lars Von Trier como cineasta? Tudo! Sua melhor forma como diretor de cinema está acontecendo nos últimos anos. Filmes como “Dançando No Escuro”, “Dogville”, “Anticristo” e “Melancolia” são obras com uma melhor estruturação poética visual. Possuem destrezas cinematográficas que poucos diretores hoje em dia apresentam. O próprio movimento Dogma 95 foi mais aclamado do que realmente revolucionário, por isso a fase anos 90 de Von Trier é muito menor do que a sua recente. Ainda mais porque o cinema europeu dos anos 90 possui uma clara guinada de situação física e estética, quando tentou estabelecer uma identidade continental diante do que era percebido como o imperialismo cultural de Hollywood. As divisões da Europa Oriental e Central dá aos cineastas um equilíbrio entre o desejo de um cinema nacional peculiar e o reconhecimento como integrante da tradição europeia. Béla Tarr, Andrzej Wajda, Miklós Jancsó, Emir Kusturica, Krzysztof Kieslowski são alguns nomes que possuem um cinema maior e muito mais crítico em relação a Europa e ao cinema em si do que o próprio Lars Von Trier nos anos 90. Filmes como “O Ódio” (1995) de Mathieu Kassovitz, “Violência Gratuíta” (1997) de Michael Haneke, “Tudo Sobre Minha Mãe” (1999) de Pedro Almodóvar e o sublime e tocante “A Liberdade É Azul” (1993) de Krzysztof Kieslowski resumem melhor essa fase do cinema europeu e suas diretrizes culturais e sociais em ebulição. Coisa que o Dogma 95 e a carreira de Von Trier nos anos 90 não alcança.

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E o filme “Ninfomaníaca” (Vol. I e Vol. II) está nessa fase melhor de Lars Von Trier; fase essa iniciada em 2003 com “Dogville”. O aprofundamento de sua métrica e sua forma cadenciada de acidez cinematográfica ganha ares de um cineasta autor histórico.

Muitos cineastas modernos que apareceram nos anos 90 e são considerados geniais não possuem um aprofundamento artístico como em muitas obras de Lars Von Trier. Um grande exemplo está no cinema de Quentin Tarantino, uma grande arte plástica que enobrece a cultura POP e nada mais. Com pouco aprofundamento humano e uma dimensão artística rasa, o cinema de Tarantino é muito pequeno em relação ao de Von Trier. E isso pode causa polêmica, ainda mais porque a austeridade do cinema de Von Trier deixa muito fácil de se adorar o cinema de Tarantino, ainda mais por ser tão “simples”! Porém são meras comparações…

Agora lembrando dessa austeridade, “Ninfomaníaca” (Vol. I e Vol. II) é um pequeno retrocesso nesse patamar da melhor fase de Lars Von Trier. Sua forma “crítica” para desmembrar a condição humana através do vício do sexo em “Ninfomaníaca” parece mais uma brincadeira estética do que realmente uma obra seminal. O que Von Trier engrandece com filmes como “Melancolia” é quase esquecido com “Ninfomaníaca”. A destreza e a forma cabal de desestruturar a condição humana no “fim de mundo celestial” é aqui colocado numa formato pouco “plural”. Alguns momentos de “Ninfomaníaca” são geniais, como na fala da personagem Joe com um grupo de ajuda para viciadas em sexo. Mas numa visão mais ampla, é possível de se perceber uma obra pouco arquitetada numa linearidade elegante, como em filmes seus anteriores . As cenas de sexo explícito deixam mais a libido em voga do que uma estetização crítica com a condição humana, assunto esse principal no filme.

Algumas pretensões metafísicas/filosóficas em filmes como “Melancolia” e “O Anticristo” são esquecidas para um psicologismo barato e explícito sobre o sexo e seu vício numa sociedade pautada em desumanidade. O que deixa ainda mais “elementar” a pouca criatividade da atriz Charlotte Gainsbourg, que por mais que se esforce, nunca será uma atriz essencial para atuações desse tamanho. O que foi Juliette Binoche para o cinema Europeu no inicio dos anos 90 ainda serve como marca para se entender a pouca dramaticidade e o pouco recurso cênico que Gainsbourg apresenta ou tenta apresentar.

O que se pode tirar de “Ninfomaníaca” é que Lars Von Trier ainda continua a ser um provocador autor. Seu cinema, sempre pautado assim, ainda permite grandes tapas na cada para com uma sociedade arcaica que se quer moderna, principalmente essa da Europa dos dias de hoje. Mas que seu cinema deu um pequeno salto para trás, isso fica latente. Uma das coisas mais banais que se pode compreender desse salto retrógrado, são as séries de imagens que aparecem no filme “Ninfomaníaca” como “ilustrações” visuais em forma de pastiche. Um recurso difícil de usar, porque o caminho para se cair no desagradável é muito grande. E Lars Von Trier consegue tal feito!