cine política: Tudo por um furo é uma sátira política?
A sátira política, tema já arranhado nesta coluna, é uma arte em desuso. Até mesmo em decadência, pode-se dizer. Seja no cinema ou mesmo no teatro, seu berço imaculado. Não é fácil fazer uma sátira política e a equipe por trás de “Tudo por um furo”, comédia que dá sequência ao surpreendente sucesso de público […]
A sátira política, tema já arranhado nesta coluna, é uma arte em desuso. Até mesmo em decadência, pode-se dizer. Seja no cinema ou mesmo no teatro, seu berço imaculado.
Não é fácil fazer uma sátira política e a equipe por trás de “Tudo por um furo”, comédia que dá sequência ao surpreendente sucesso de público tornado cult “O âncora: a lenda de Ron Burgundy” (2004), não parece inclinada a esse tipo de provocação. Mas o filme, que mostra o jornalista fanfarrão, misógino, truculento e perigosamente ingênuo vivido por Will Ferrell em face de um novo desafio, assumir as madrugadas do primeiro canal jornalístico com conteúdo 24 horas, resvala – talvez por acidente – na sátira política. A sátira, não nos enganemos, é objetivada, o componente político é que vai se infiltrando nessa comédia politicamente incorreta (no sentido de ser abusada, suja e sarcástica) aos poucos.
O racismo, o advento do feminismo, a emergência do homossexualismo fora do armário, a camisinha e outras estripulias do final dos anos 70 e início dos anos 80 surgem com força no filme que se permite rir do americano médio, boçalizado pela inércia.
Essa surpreendente agressividade torna o filme muito mais impactante do que, por exemplo, o acadêmico “12 anos de escravidão” com sua pompa de filme importante e para o qual o público já vai “anestesiado”. Em “Tudo por um furo”, o bote é certeiro e inesperado.
Ao apontar o dedo, e rir, para o americano médio e para um passado que ainda assombra o presente, o filme do pouco relevante Adam Mckay mira na trave e acerta o gol. É raro, mas acontece.