Felipe Curcio | 11 de fevereiro de 2014

cine música: Uma canção para Coutinho

A realidade não tem limites, por isso ela supera a ficção constantemente. E como captar todas as incoerências e maravilhas da realidade na tela? Tinha um cara que sabia fazer isso, e sabia fazer muito bem: Eduardo Coutinho. Morto de maneira trágica há dez dias, o documentarista era mestre em colocar na tela toda a […]

Edificio-Master

A realidade não tem limites, por isso ela supera a ficção constantemente. E como captar todas as incoerências e maravilhas da realidade na tela? Tinha um cara que sabia fazer isso, e sabia fazer muito bem: Eduardo Coutinho. Morto de maneira trágica há dez dias, o documentarista era mestre em colocar na tela toda a grandeza das histórias das pessoas “comuns”.

Como meus colegas Victor Nascimento e Eduardo Lima, aqui do Salada de Cinema, resolvi fazer a minha coluna dessa semana em homenagem a Coutinho. Não teria como escrever sobre qualquer outro diretor. Nem outro filme, nem outra cena. Não quando o tema é música. O documentário é “Edifício Master”, a cena é a de Henrique.

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Colocada bem no meio do filme, a cena [http://www.youtube.com/watch?v=c6_IUo7kTSU] mostra um senhor já bastante idoso contando sobre sua vida. Morador de um edifício de centenas de pequenos apartamentos em Copacabana, Henrique parece um senhor comum. A sua história, contada sob a tutela de Coutinho, que pode ser ouvido fazendo as perguntas, é única e emocionante. Quando garoto, Henrique foi para os Estados Unidos contra a vontade de sua família. Por acaso, o brasileiro acabou trabalhando na PanAm, empresa onde cresceu até chegar em um cargo executivo.

Numa festa exclusiva à qual teve acesso por causa de seu cargo, Henrique conheceu Frank Sinatra. E a história não para por aí. Henrique não só conversou com o dono dos olhos azuis mais conhecidos do mundo, como também foi convidado para cantar alguns versos com ele no palco da festa. O acontecimento em si já seria digno de ser contado num filme, mas a sequência disso, no documentário, é de emocionar o roteirista de drama mais famoso do mundo.

Henrique decide entoar a canção que havia cantado com Sinatra. Na frente das câmeras de Coutinho, o senhor que parece ter uma parte do rosto paralisada canta declamando e sentindo cada verso de “My Way”. A voz de Henrique se junta à de Sinatra. A emoção do senhor contagia a todos e é muito muito muito muito difícil não chorar ao ver essa cena. E o mais lindo, quando se fala de trilha sonora, é que a música vem de dentro para fora. Do personagem para o filme. E não o contrário, como estamos acostumados na ficção. Um perfeito exemplo de trilha gerada espontaneamente.

Quando tocam os acordes finais, Henrique tem lágrimas no rosto.A música, diz Henrique, é um resumo do que foi a sua vida, toda feita “à sua maneira”. Ademais, a canção interpretada pelo senhor brasileiro/americano é um resumo do que foi a obra de Coutinho: profunda, emocionante, curiosa e original, como só a realidade consegue ser.

Em tempo, muito obrigada, Coutinho.