Eric P Sukys | 5 de fevereiro de 2014

cine remix: Duro de Amar

Dentro de cada Rambo, há um Wando camuflado. Eles fazem cara de bravo, exalam adrenalina e testosterona. Atiram para matar, mas, no fundo, choram ouvindo Legião Urbana ou a fase boa do Roberto Carlos. Os músculos suados são um disfarce para não transparecer o lado sensível, de quem traz mil rosas roubadas para aquela mulher […]

Dentro de cada Rambo, há um Wando camuflado. Eles fazem cara de bravo, exalam adrenalina e testosterona. Atiram para matar, mas, no fundo, choram ouvindo Legião Urbana ou a fase boa do Roberto Carlos. Os músculos suados são um disfarce para não transparecer o lado sensível, de quem traz mil rosas roubadas para aquela mulher especial, que conheceram numa missão ultra-secreta no Camboja ou numa operação especial de guerra no Paquistão.

Por que esses ídolos da ação, de Schwarzenegger a Steven Seagal, escondem isso então? Se cavarmos um pouco, a carapaça durona desmoronará. Por exemplo, John McClane (Bruce Willis), protagonista da infinita franquia Duro de Matar. Aposto que quando jovem, McClane estava mais para estrela de uma comédia romântica do que de ação desenfreada:

O recém-condecorado policial John McClane (Bruce Willis jovem) está num bar com seu amigo Jerry, advogado e melhor amigo de McClane. Jerry tira sarro do amigo, diz que nunca o imaginava como policial. John é teimoso demais para seguir ordens, como poderia dar certo? McClane concorda, toma um gole de sua cerveja e diz que já vai, está ficando tarde. Jerry convence o amigo a não ir. Depois de algumas idas ao banheiro e muitas cervejas, até que enfim chegam duas moças, que acenam para Jerry e se juntam a eles para um drinque. Jerry beija uma, McClane mal aperta a mão da outra. A amiga de Jerry sugere que vão os quatro para a festa de Holly, colega delas. Mas John não está tão animado:

– Vou pra casa, Jerry, chega de festa pra mim.

– John, nem começa. Você tá me devendo, paguei suas cervejas. Vamos lá e ponto.

– Não, melhor não…

– Cadê o McClane que eu conheço?, que se pendurou na Brooklyn Bridge e gritou–

– “Yippee-ki-yay, motherfucker”. Ok, vamos, mas só uma passada, hein?

“Festa” foi um exagero da amiga de Jerry. Na verdade, o que Holly estava promovendo era um jantar para suas (poucas) amigas, uma noite calma, tranquila, ouvindo antigos sucessos de Stevie Wonder. Quando John & Jerry chegam, bêbados, rindo e guinchando na sala, um silêncio constrangedor interrompe o jantar e McClane sente seu corpo implodir, desmoronar como um arranha-céu mal construído: até olhando feio para ele, Holly é linda.

O fiasco se anuncia e, junto com as amigas que os convidaram, John & Jerry acabam expulsos do lugar. A única coisa que John quer saber é o nome da moça de vestido preto e cabelo solto, a anfitriã da festa. De volta à sua casa, deitado para dormir, ainda zonzo pela quantidade colossal de cerveja, McClane arranja para si sua primeira missão: convencer Holly de que não é o porco embriagado que parecia ser (e foi) quando se conheceram.

Na manhã seguinte, o interfone de Holly toca. Ela atende e o porteiro diz que há um policial querendo falar com ela. A moça repassa em sua cabeça a noite anterior, pensando no que poderia render-lhe problemas com a lei. Ela acha pelo menos doze momentos e, preocupada, acha que está demorando muito para descer, pode parecer suspeito. Quando vê McClane na portaria, ela entende tudo. O nervosismo de antes se torna irritação (com um toque de ansiedade).

O policial pede desculpas pela noite anterior, diz que se soubesse o quão bonita era a anfitriã, jamais ousaria aborrecê-la daquela forma. Entre outras cantadas mais discretas, às vezes com uma leve gagueira, John percebe que ela não olha feio para ele, sem o (aparente) ódio da noite anterior. Combinam de tomar um café depois do expediente dele.

Holly fica sozinha na porta do café por mais de uma hora, quando decide voltar para casa.

Na outra manhã, o porteiro avisa Holly que o policial voltou. Ela desce para conversar com ele, decidida a encerrar essa história. McClane não a deixa falar, arrependidíssimo que está: explica que, incrivelmente, estava rondando a rua pela qual um detento tentou uma fuga inacreditável da prisão. Holly concorda que a história é difícil de convencer mesmo e vira as costas. Antes que John possa mostrar a cicatriz na perna, a queimadura na barriga e os hematomas nas costas, a moça já entra no elevador. Decisão tomada, fim da história.

Não para McClane. Determinado a cumprir sua missão, o apaixonado policial demonstra seus sentimentos nas mais variadas formas e tamanhos: bilhetes que o porteiro entrega, cartas de amor disfarçadas de aluguel ou contas de luz, presentes deixados na porta do apartamento. A paixão é tanta e tão expansiva que, um dia, McClane recebe uma convocação: Holly Gennero está processando-o e quer uma ação cautelar de afastamento.

Jerry abre o jogo com seu brother John: não vão ganhar o caso. Só pela quantidade de evidências que John criou nos últimos sete dias pode dar cadeia, se o juiz resolver pegar no pé. Arrasado, ensopado da chuva forte, John McClane dirige de volta para casa na véspera do julgamento e chora como se a bilheteria de “Duro de Matar” não tivesse superado os 100 mil dólares.

O julgamento se arrasta, preguiçoso e lerdo como uma internet discada. O juiz fala devagar e Jerry não faz questão de que seja rápido – pretende vencer pelo cansaço. O advogado dá uma piscadela para John, que suspira e olha para Holly. A moça parece mais entediada do que raivosa e batuca com as pontas dos dedos na mesa, meio a esmo, sem qualquer noção de ritmo. John ouve as unhas de Holly chocando-se com a madeira e perde-se em devaneios: pensa em quantas vezes não bateu na porta dela para entregar-lhe um bilhete, lembra-se das várias músicas que lhe dedicou. Até que;

Chega sua hora de depor e John se levanta. Contornando seu assento, ajoelha-se na frente de Holly. Antes que o juiz possa esboçar uma reação, McClane começa a recitar a letra de “You Are the Sunshine of My Life”. A música ecoa na sala, o juiz ameaça pedir ordem, os advogados ouvem em silêncio. Surpresa, Holly apenas ouve a voz suave de Bruce Willis, mais afinada do que qualquer um esperaria. Depois do último refrão, McClane tira do bolso um anel e pede Holly em casamento.

Holly aceita, o casal se beija, uma música feliz e triunfal toca.

Na cena seguinte, descobrimos que, apesar de estarem oficialmente casados, o juiz aprovou o pedido de afastamento. Marido e mulher passam a lua-de-mel em hotéis diferentes, separados por um raio de duzentos metros. Ambos estão felizes, mas contando os dias para a ação cautelar deixar de valer: nas praias de Los Angeles, acenam de longe um para o outro, no mar ou na areia (7 dias); assistem ao mesmo filme, em cinemas diferentes (comunicam-se por mensagens de texto, irritando os outros espectadores) (3 dias); vão juntos a um jogo de futebol americano (cada um de um lado do estádio) (1 dia). A última cena, lógico, é a que oficializa o casamento. Do topo do prédio Fox Plaza, enquanto fogos de artifício explodem ao fundo, John McClane e Holly Gennero se beijam. Abraçados, eles assistem ao nascer do sol de cima do arranha-céu e, na sala de cinema, os Terminators, Rambos e Charles Bronsons tentam esconder suas lágrimas.