Cassia Alves | 24 de novembro de 2013

Cinema Latino – Abutres

O cinema argentino ostenta uma urgência que o brasileiro talvez nunca consiga reproduzir. A eloquência com que o cinema argentino se organiza em torno de ideias novas que mimetizam o país sem buscar traduzi-lo na tela de cinema, deveria ser um exemplo para o cinema brasileiro ainda trôpego na construção de um cinema adulto, inteligível […]

O cinema argentino ostenta uma urgência que o brasileiro talvez nunca consiga reproduzir. A eloquência com que o cinema argentino se organiza em torno de ideias novas que mimetizam o país sem buscar traduzi-lo na tela de cinema, deveria ser um exemplo para o cinema brasileiro ainda trôpego na construção de um cinema adulto, inteligível e desprendido de amarras sociológicas.

Abutres” (2010), de Pablo Trapero é um dos expoentes desses filmes argentinos que, por falta de uma comparação mais efetiva, se assemelham no valor histórico e artístico à cinematografia americana dos anos 70. Tal como o Scorsese daquela década com a América, Trapero está interessado em uma Argentina arredia, abandonada, de personagens complexos e cheios de dubiedades. O país surge cheio de porosidades e deformações e não há uma sociologização do que se vê, cru, na tela.

Ricardo Darín vive um advogado especializado em acidentes rodoviários. Um tipo cujos limites éticos são sempre postergados ao primeiro sinal de necessidade. Ele tira seu sustento de intermediar negociações entre seguradoras e vítimas de acidentes. Vive cercando hospitais em busca de suas “vítimas”. Daí o título de abutre. Em um desses dias, ou noites, já que são nas noites que os acidentes mais acontecem, o advogado acaba se esbarrando com a médica vivida pela esposa de Trapero na vida real, Martina Gusman. Uma paixão repentina o fará repensar o seu comportamento, mas passado e presente incidirão conflitos que não deixarão esses dois personagens imunes. Dito assim, no calor das expectativas, “Abutres” pode parecer um filme menor do que é. Mas Trapero é hábil e surpreendente contador de histórias. Com uma narrativa coesa, por vezes chocante, o diretor pincela um retrato agonizante de um submundo que está aí, à espreita de todos nós. Argentinos ou não.