Jaqueline Oliveira | 22 de abril de 2013

Senta que lá vem… A Rede Social

Um filme biográfico sempre é uma produção rodeada de cuidados. Além de ser julgado quanto à qualidade cinematográfica, ele ainda passa pelo aval de amigos e familiares do biografado, que podem ou não validar o resultado na tela. Tendo isso em mente, imagine contar uma história real na qual os personagens ainda estão vivos, que […]

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Um filme biográfico sempre é uma produção rodeada de cuidados. Além de ser julgado quanto à qualidade cinematográfica, ele ainda passa pelo aval de amigos e familiares do biografado, que podem ou não validar o resultado na tela. Tendo isso em mente, imagine contar uma história real na qual os personagens ainda estão vivos, que envolve ações pouco nobres de caráter, cujo centro é uma das empresas mais populares do mundo e na qual os envolvidos se negam a falar sobre o assunto ou estão impedidos por acordos judiciais. É com estas dificuldades que o diretor David Fincher produziu “A Rede Social”.

Adaptado do livro “Bilionários por acaso – A criação do Facebook”, a película foca a origem desta rede social e o processo de expansão que a tornou a mais acessada do mundo. Porém, o que realmente importa no filme é a relação entre Mark Zuckerberg e Eduardo Saverin, respectivamente fundador e cofundador do site, cuja amizade termina em um longo e caro processo judicial. Como o livro possui muitas brechas sobre o que de fato ocorreu (ele foi escrito apenas com a versão dos adversários de Zuckerberg e este se negou a dar sua versão da história), o roteirista Aaron Sorkin preenche várias lacunas com eventos que constroem uma parábola sobre amizade, poder e ambição.

Dentre as lacunas preenchidas, a mais importante é a personalidade de Mark Zuckerberg. Reservado e enigmático na vida real, a construção do personagem opta por destacar um jovem frio, ambicioso, egoísta e com problemas de sociabilidade (uma grande ironia sobre o criador do Facebook). Um comportamento nítido desde a cena de abertura, uma das melhores e mais reveladoras sobre a alma de Zuckerberg.

Em ritmo caótico, a cena mostra uma conversa entre Mark e sua namorada, Erica. Em um bar lotado e barulhento, ambos conversam sobre a quantidade de gênios na China e, a partir daí, Mark mistura um punhado de assuntos: a entrada em um dos final clubs de Harvard, a tentativa do amigo Eduardo de entrar em um destes clubes, a ambição de Mark em se tornar relevante, o poder que os final clubs exercem, a preferência da namorada por remadores até desaguar em uma DR. A velocidade com que Mark fala e mistura os assuntos é um reflexo da velocidade do seu pensamento. A forma como ele desfere verdades dilacerantes à namorada, sem ter noção de como elas podem magoá-la, já sinaliza a infantilidade e falta de tato que ele terá ao longo do filme. É uma sequência extremamente reveladora não apenas sobre como o personagem age, mas também sobre o que o angustia e motiva. No final, a trilha sonora composta por um piano solitário e sons dissonantes e desarmônicos, ainda transmitem o grande sentimento de solidão e inadequação que Mark vivencia.

Para chegar a este resultado, o diretor David Fincher levou dois dias para filmar o diálogo no bar, que tem pouco mais de cinco minutos de duração. Foram filmadas 99 versões, com todas as variações de interpretação e enquadramento possíveis, até que Fincher estivesse satisfeito com o desempenho dos atores e figurantes. Na pós-produção, a cena ganhou um som ambiente cujo volume está na mesma altura do diálogo dos atores, um detalhe que exige o dobro de atenção do espectador para distinguir a conversa do restante do barulho. Uma decisão que dá a sensação de estarmos na mesa ao lado acompanhando a discussão.

Segundo o ator Jesse Eisenberg, que interpreta Mark, ele assistiu a diversas entrevistas do Zuckerberg real durante o processo de construção do personagem. Porém, abandonou todas as referências ao entrar no set de filmagem, pois percebeu que eram características que não contribuíam para o Zuckerberg fictício. Mais importante que a fidelidade à realidade, era a fidelidade às motivações que moviam Mark no roteiro. Um relato que deixa claro que a história tratada no filme pode não ser a verdadeira.

Pra você, isso diminuiu os méritos de “A Rede Social”?